No final, Roland não conseguiu permanecer em seu quarto durante o dia todo e teve que ir ao escritório.
Era quase noite quando Rouxinol informou a ele que Tilly queria vê-lo.
Roland colocou um casaco, penteou seu cabelo e levou uma pilha de papéis para o escritório. Ele abriu a porta e se deparou com Tilly e Cinzas, que já estavam lá esperando por ele.
Vendo Roland segurando material pesado, Cinzas imediatamente pegou a pilha de papéis das mãos dele. Isso deixou Roland surpreso, pois ele não esperava que Cinzas, que sempre se mostrava insatisfeita com ele, o ajudaria um dia.
A luz do pôr do sol passava pela janela francesa e pintava as paredes de laranja. Ao mesmo tempo, também iluminava seus rostos com um tom dourado. Tudo isso meio que dava a eles um sentimento de despedida.
Roland já havia adivinhado o que Tilly queria.
Embora Roland não quisesse que elas partissem, ele sabia que este dia chegaria mais cedo ou mais tarde. Além disso, foi muito sincero da parte delas não partirem enquanto ele ainda estava em coma.
— Estou aqui para me despedir de você. — Tilly disse calmamente. — Eu tenho que voltar à Ilha Adormecida para resolver algumas pendências da Associação Presas de Sangue.
Roland olhou para o rosto delicado de Tilly e, após um momento de silêncio, disse:
— Entendo. Quando é que Belezura chega aqui na Região Oeste? Eu farei um jantar de despedida para vocês. Espere um momento… — Ele de repente ficou atônito e perguntou: — Você quer dizer que vai voltar?
Cinzas não pôde deixar de cobrir a boca.
Tilly deu uma risadinha e perguntou com humor:
— Bem… Você não quer que eu volte? Irmão.
— Não, eu digo… Por que você… — Roland abriu a boca, surpreso, mas não tinha nada a dizer. Após um momento, ele perguntou: — É por causa dos Meses dos Demônios?
— Não pode ser por outra coisa? — Tilly deu de ombros e disse: — Você não tem expectativas maiores pra mim?
Ele ficou completamente aturdido.
— Você vai…
— Sim, o que você pensou está correto. — Tilly disse francamente. — Eu levarei a notícia para Ilha Adormecida de que você venceu a batalha contra a Igreja. Eu também direi às bruxas que elas não precisam mais viver uma vida conturbada e se esconder naquela ilha pequena, pois a Igreja perdeu completamente o controle da Cidade de Primavera Eterna ao Oeste do Reino de Castelo Cinza. Quando você estiver pronto, eu trarei as bruxas que desejarem vir para a Região Oeste, morar aqui. Quando isso acontecer, eu espero que você não reclame do quanto elas comem.
O coração de Roland se preencheu de indescritível animação enquanto ele dizia:
— Elas serão bem-vindas na Região Oeste!
— Mas seu castelo não é grande o suficiente para acomodar tantas bruxas. Se metade delas quiserem vir, o número será várias vezes maior que o da União das Bruxas. Ademais, a maioria delas não são bruxas combatentes. Eu planejo alugar navios para transportá-las quando os Meses dos Demônios terminarem, pois as rotas estarão mais seguras nessa época. — Princesa Tilly revelou um sorriso astuto.
Ele prometeu sem hesitação:
— Não haverá problema algum. Farei com que Karl construa acomodações suficientes até a próxima primavera.
Tilly levantou três dedos e disse:
— Além disso, espero que você me prometa três coisas, irmão.
Tilly ficou tão séria que Roland se sentou ereto subconscientemente.
— Vá em frente.
— Primeiro, você não pode proibi-las de sair da Cidade de Primavera Eterna para outros lugares.
— Sem problema. — Ele respondeu imediatamente. — Mas se isso acontecer, é bom que saiba que o Reino de Castelo Cinza ainda não está unificado, e que não poderei garantir que as pessoas de outros territórios tratem as bruxas de modo justo. Então, por questão de segurança, aconselho que elas fiquem na Região Oeste ou na própria Ilha Adormecida temporariamente. Não demorará muito para que eu consiga controlar todo o reino, e assim elas possam deixar a Região Oeste, se quiserem.
— É somente uma hipótese. — Tilly assentiu com a cabeça, satisfeita, e continuou: — Segundo, você não pode forçá-las a fazer algo que não estejam dispostas e fazer.
Roland encheu duas xícaras de chá para elas e disse:
— Posso tentar convencê-las a trabalharem pra mim?
Tilly deu um olhar de confirmação para ele e disse:
— Estará tudo bem desde que você não as force.
— Fechado. — Ele não pôde deixar de sorrir.
Já que elas estiveram em constante estresse desde o dia em que despertaram como bruxas, seria bem fácil para Roland fazer essas garotas ingênuas surfarem na onda da industrialização. Ele possuía um “mecanismo massivo de recompensas” para conquistá-las pouco a pouco. Além dos salários, ele também poderia estabelecer uma regra dizendo que somente bruxas trabalhadoras teriam o direito de desfrutar dos sabões perfumados, vinhos deliciosos e sorvetes. Tudo isso para atraí-las ainda mais.
O “exército de açúcar” era bem mais atraente do que a pura violência.
— Por último, espero que Adormagia possa existir de modo independente. — Ao falar desse ponto, Tilly pareceu meio hesitante, pois sabia que essa condição era um pouco dura. — Claro, eu repassarei parte do dinheiro obtido pela Adormagia para a Cidade de Primavera Eterna.
— Adormagia? — Roland ficou atônito. Ele lembrou que essa organização havia sido formada para resolver os conflitos entre as bruxas combatentes e as bruxas assistentes, ao mesmo tempo em que gerava ganhos para Ilha Adormecida. Em outras palavras, quase todas as bruxas na ilha pertenciam à Adormagia. Se essa organização se tornasse independente, significava que Tilly teria o controle de todas as bruxas integrantes.
Ele logo entendeu por que Tilly havia ficado hesitante ao falar disso. Se Adormagia se mudasse para a Cidade de Primavera Eterna como uma organização administrativa independente, ainda seria a Adormagia que decidiria aceitar ou não missões de recompensa ou despachar bruxas para os Fiordes. Então o que Tilly havia pedido soava como se ela estivesse tomando precauções contra ele.
Contudo, Roland concordou imediatamente:
— Claro que pode. Mas vocês terão que obedecer às leis internas da Região Oeste.
É como se Adormagia fosse uma companhia privada… — Roland pensou.
Para falar a verdade, no momento em que Roland percebeu que as bruxas de Ilha Adormecida iriam se mudar para a Cidade de Primavera Eterna, ele se sentiu alegre e preocupado ao mesmo tempo, não sabendo se deveria recrutá-las para a União das Bruxas ou não.
Como uma das três maiores agências administrativas ao lado da Prefeitura e do Primeiro Exército, era vital que a União das Bruxas fosse controlada por Wendy, que era leal a Roland, para que assim ele pudesse descansar tranquilo. Mas havia muitas bruxas em Ilha Adormecida. Quando todas se juntassem à União das Bruxas, o controle de Wendy seria mitigado e seria mais dificultoso para Roland intervir em algo ou comandar a organização.
Com a condição de Tilly, Roland agora se sentia aliviado. Além disso, era normal que Tilly se sentisse um pouco preocupada, já que a verdadeira confiança era algo que se construía com o tempo. Tilly havia depositado mais confiança nele hoje do que antes, o que já era um enorme progresso.
— Sério? — Tilly ficou surpresa com a resposta rápida de Roland.
— Não se preocupe. Eu sempre mantenho minha palavra. — Roland sorriu.
— Bem… — Tilly agora se sentia relaxada, dizendo: — Então eu retornarei ao meu quarto para arrumar minhas coisas. Belezura chegará em três dias. Ah, e eu também levarei Iffy e Pluma comigo. Quando os problemas da Associação Presas de Sangue estiverem resolvidos, eu as mandarei de volta.
— Você só vai voltar depois dos Meses dos Demônios?
— Eu por acaso disse isso? — Ela piscou os olhos.
— Isso quer dizer que você vai voltar antes? — Roland perguntou, surpreso.
Tilly assentiu com a cabeça e disse:
— Assim como no ano passado, irmão. Eu lutarei ao seu lado contra as bestas demoníacas até que a neve pesada acabe.