— Já faz quase dez minutos. Parece que ele não encontrou nada lá. — Celine disse, aliviada.
— É uma pena que ele tenha tanta sorte. — Alethea respondeu com menos animação.
Celine reclamou:
— Eu não gosto de depender da sorte. Pasha, por favor, escolha um método melhor da próxima vez.
— Não vamos falar do que já aconteceu. Vamos tentar adivinhar quanto tempo o rei pode ficar lá. O recorde para uma pessoa comum é quinze minutos, não é? — Alethea disse, mudando de tópico.
— As bruxas não são diferentes nesse sentido. O tanto de tempo que uma pessoa consegue ficar na Terra Divina não tem nada a ver com o poder mágico. Até mesmo na Aliança, a Relíquia era monitorada em turnos por um grupo de pessoas comuns. No entanto, considerando a idade e a experiência do rei, ele deve voltar logo, logo.
De acordo com todos os registros que Celine havia lido, os(as) guerreiros(as) que haviam participado de batalhas e lutado contra os demônios geralmente conseguiam ficar mais tempo na Terra Divina, seja bruxa ou pessoa comum. O recorde pertencia à Lady Alice, que havia ficado lá por quase duas horas.
Já que o rei nunca esteve num campo de batalha, é incrível que ele tenha durado dez minutos. — Celine pensou.
— Talvez ele queira ficar mais tempo por lá. Afinal, é a primeira vez que ele vê um mundo tão incrível.
— Mas… se isso continuar, ele vai ficar tonto e acabar desmaiando. — Celine de repente se lembrou de algo e olhou para Pasha. — Você se esqueceu de contar isso a ele?
— Um desmaio não é tão ruim assim e não vai causar danos severos ao corpo dele. — Pasha balançou os tentáculo e disse. — Aliás, quando a energia dele acabar, essa experiência pode reduzir o interesse dele de entrar em contato com a Relíquia novamente. Será melhor para todos dessa forma.
— Então… você não contou de propósito?
Pasha não deu uma resposta direta.
— Às vezes, é melhor não explicar. Afinal, não queremos que alguém fique nos interrompendo quando retomarmos a exploração da Terra Divina.
— Eu agora entendo por que Lady Natália te escolheu como uma das candidatas para as Três Líderes. — Alethea disse.
Celine concordou com Alethea. Diferente de passar vergonha ao ficar assustado, um desmaio causado por exaustão de energia poderia ser enxergado como um resultado sem efeitos colaterais. Isso poderia reduzir a curiosidade do rei sem estragar a relação entre eles. Pasha obviamente tinha a capacidade de pensar mais à frente.
Após um momento, Celine começou a se preocupar e perguntou:
— Já fazem quinze minutos. Ele está bem?
— Parece… que não tem nada de errado. Esse rei é cheio de surpresas. — Pasha respondeu após olhar para Roland Wimbledon, que ainda estava com os olhos fechados.
— Esse é um novo recorde para as pessoas comuns. Devemos parabenizá-lo? — Alethea disse, dando de ombros, ou melhor, de tentáculos.
Celine não respondeu. Ela sentia que havia algo de errado.
O tempo acabou validando sua suspeita.
Mais trinta minutos se passaram, e Roland ainda permanecia imóvel. Celine estava ficando cada vez mais nervosa.
Por ter vivido por mais de um século, ela deveria se sentir desconectada do tempo. No entanto, o quase constante pulso cardíaco do receptáculo dela (Portador Original) lhe informava com exatidão o passar de cada segundo. Uma exploração de 45 minutos era muito longa para alguém que não era nem um guerreiro, nem uma Extraordinária. Roland já devia ter esgotado a energia há muito tempo.
Celine se perguntou: — Será que houve… algum acidente desconhecido na Terra Divina?
Wendy quis se aproximar e tentar acordar o rei, mas foi imediatamente impedida por Pasha.
— Se você se aproximar demais da Relíquia, será afetada também.
— Então me deixe entrar na Terra Divina e trazer Sua Majestade de volta! — Ela insistiu.
— Mesmo ao entrar lá, você não vai conseguir trazer seu rei de volta. Independentemente de quantas pessoas entrem na Terra Divina, ninguém verá ninguém, todos ficarão sozinhos. Então quando você chegar lá, não conseguirá ver seu rei.
Celine notou que a outra bruxa, que estava invisível, de repente começou a se mover. Pela vaga reação mágica, Celine soube que a bruxa invisível havia tirado algo da cintura. Com base nas informações coletadas por Pasha, esse “algo” provavelmente era a tal “arma de fogo” da Cidade de Primavera Eterna.
Celine se comunicou via consciência com Pasha e Alethea; Pasha assentiu e começou a agir. Ela estendeu os tentáculos, enrolou-os no corpo do rei e o puxou em direção a Wendy. Embora essa não fosse uma boa forma de finalizar a exploração, a segurança de Roland era de máxima prioridade. Se houvesse um conflito entre as duas partes agora, as consequências seriam desastrosas.
Quando a Relíquia foi colocada de volta na Caixa da Retaliação Divina, Roland de repente abriu os olhos.
— Vossa Majestade… O senhor está bem? — Wendy perguntou, nervosa, ajudando-o a se levantar.
— Fique tranquila… Eu estou bem. — Ele respondeu, esfregando suas pernas doloridas. — Eu vi os monstros que protegiam as outras duas Relíquias e até tentei conversar com eles. Infelizmente, eles não me entendiam.
Celine ficou chocada.
— Espere… Do que o senhor está falando? O senhor… viu o demônio e…
— E o Olho Gigante. Esse olho parecia um “submarino”… Sei lá…
— Submarino?
— Sim… É tipo um barco que pode se mover debaixo d’água… Mas eu não sei ao certo se aquilo era um submarino ou não… — Roland respondeu.
Celine conseguiu sentir o quão chocadas estavam Pasha e Alethea, principalmente Alethea. Entre todas as sobreviventes de Taquila, Alethea era a que conseguia ficar mais tempo na Terra Divina. A experiência que ela teve no Exército Abençoado lhe permitiu suportar aproximadamente uma hora na Terra Divina, mas ela só conseguia esse tempo quando nada aparecia nos Quadros Gigantes.
Se ela se deparasse com o demônio ou com o Olho Gigante, o consumo de energia seria dobrado.
— E o que aconteceu depois disso? — Pasha continuou a perguntar.
— Não sei ao certo. Bem… alguns tentáculos de repente saíram dos Quadros Gigantes e começaram a atacar o demônio e o Olho Gigante. Os tentáculos eram tão poderosos que os monstros tiveram que recuar. Foi bem rápido.
Celine pensou: — Então quer dizer que ele se deparou com os Guardiões das duas civilizações inimigas ao mesmo tempo e conseguiu derrotá-los sem sofrer nenhum dano?
Celine sentiu como se estivesse ouvindo um conto de fadas.
Ela não havia ficado surpresa quando Roland falou sobre os tentáculos negros. Quando a energia da pessoa diminuía, a Relíquia começaria a afetar a consciência. A pessoa ouviria sons imaginários, veria coisas imaginárias, que quase sempre eram a mesma coisa, como tentáculos negros e etc. Porém, esses distúrbios poderiam causar danos reais ao corpo. Caso interrompessem a conexão antes que qualquer dano real fosse causado, a pessoa não teria nenhum problema sério.
Claro, seria impossível uma pessoa normal se defender da erosão espiritual. Até mesmo uma bruxa que já havia passado por milhares de batalhas se sentiria cansada rapidamente e, no final, perderia o controle do corpo.
Mas o que havia acontecido com Roland foi exatamente o contrário. Os tentáculos haviam atacado os inimigos. Era a primeira vez que ela ouvia falar disso.
Ao olhar para o rei, que parecia não se importar com o que havia acontecido, Celine de repente pensou em algo.
Será que, quando se trata de poder mental, Roland está no mesmo nível da Lady Alice? [1]
No entanto, Roland não parecia estar ciente disso. Após alongar os braços e pernas, ele riu e disse:
— Enfim, obrigado por me puxarem de lá. Quando os monstros desapareceram, eu fiquei vagando pela Terra Divina para ver se tinha algum fim, mas o lugar é muito grande e eu não queria ter que voltar aquilo tudo.
As três bruxas ficaram sem palavras por um bom tempo até que Pasha quebrou o silêncio, dizendo:
— Ah… Tudo bem. O senhor ainda quer continuar explorando a Relíquia?
Roland balançou a cabeça e disse:
— Não agora. Lá tem apenas quatro Quadros Gigantes, e não fará nenhuma diferença se eu for lá de novo dar outra olhada. Me levem até o Portador Central.
[1] – Lembro que, no capítulo anterior, muitos estavam associando o que havia acontecido na Relíquia com o medo. Bem, aqui vemos que não é bem o medo, e sim o poder mental ou força mental, que nesse caso pode ser afetado pelo medo.