Depois de voltar para o castelo, Roland ainda não conseguia se sentir calmo. Como dizia o ditado, as pessoas também choravam de alegria. Mas na opinião dele, Salvadora não apenas havia chorado de alegria, como também havia colocado todas as suas emoções suprimidas para fora após anos de sofrimento devido a um tratamento injusto; além da dor e falsas acusações.
Em outras palavras, o fato de que ela se mostrava serena por fora não queria dizer necessariamente que ela se sentia da mesma forma por dentro. Era como uma máscara que ela usava para esconder seus verdadeiros sentimentos. Aquele choro foi uma reação normal de uma garota que havia passado por muitos percalços e infortúnios. Ela havia se saído muito bem em ser forte e esperançosa.
O tratamento havia sido bem-sucedido, e Salvadora havia recuperado um par de pés normais. Após não andar por anos, provavelmente demoraria um tempo para Salvadora conseguir controlar as pernas novamente. No entanto, já que ela conseguia sentir os pés após o tratamento, os nervos locais muito provavelmente estavam bem conectados com a medula espinhal. Com a reabilitação, cedo ou tarde ela voltaria a andar.
Esse tratamento também ajudou Roland a confirmar com mais precisão a habilidade de Espadim, que era: aumentar o “limite do poder mágico” de uma bruxa.
Toda bruxa possuía um limite de poder. Como exemplo, havia Beija-Flor. Havia um limite para o volume dos objetos que ela conseguia reduzir o peso, e a duração do efeito. Quando ela ultrapassava esse limite, o consumo de poder mágico se multiplicaria. Era como se fosse um medidor, informando que não poderia ultrapassar certo valor. Outra forma de pensar era que Beija-flor não conseguia transformar uma montanha gigante em algo tão leve quanto uma pena, nem poderia manter a redução de peso efetiva para sempre. Isso provavelmente precisaria de uma quantidade imensurável de poder mágico.
O mesmo se aplicava a Nana. O poder mágico que ela precisava para fazer crescer membros decepados ultrapassava o seu limite. Era por isso que ela conseguia recuperar dedos decepados, mas não membros inteiros, nem mesmo com a ajuda de Ramos.
A habilidade de Espadim ajudava a aumentar esse limite, fazendo com que algo impossível se tornasse quase possível. Com a ajuda de Espadim, Nana não teria que consumir uma quantidade considerável de poder mágico de uma só vez; precisaria apenas aplicar a habilidade várias vezes.
Da gaveta, Roland pegou o relatório de Wendy que registrava os dados de Espadim.
Os resultados mostravam que as habilidades das bruxas eram fortalecidas com a ajuda de Espadim. O aumento do limite lhes permitia melhorar a efetividade da habilidade. Por exemplo, a bateria feita por Lunna, com a ajuda de Espadim, passou a durar muito mais, de cinco dias para duas semanas. Essa melhora era muito preciosa para a Cidade de Primavera Eterna, já que, atualmente, a cidade não estava numa posição de gerar eletricidade em larga escala. Afinal, quanto mais fábricas surgiam, mais fontes de energia para iluminação eram necessárias.
Além disso, o efeito de consolidação de Lumen poderia durar mais tempo com o apoio de Espadim, o que era bastante benéfico para o aumento do tempo de vida útil das máquinas operatrizes e também para o avanço do nível de processamento. Agora que novos trabalhadores foram mandados para as fábricas, não seria uma surpresa se eles cometessem erros que atingissem a integridade das máquinas. Por isso, Lumen seria ainda mais necessária nesse momento.
Além disso, Espadim também oferecia uma assistência significativa para bruxas como Soraya, Agatha, Lucia, Papel, etc., que trabalhavam nas fábricas. Graças a essas bruxas, o desenvolvimento industrial da Cidade de Primavera Eterna ainda era fenomenal, mesmo sem uma boa agência regulatória e mão-de-obra suficiente. Sem as bruxas, haveria mais acidentes e percalços devido aos métodos de produção perigosos e primitivos. Agora com a ajuda de Espadim, o processo de produção seria mais seguro e eficiente.
Após ler novamente o relatório, Roland chegou à conclusão de que Espadim seria uma das bruxas mais requisitadas da Cidade de Primavera Eterna.
À tarde, Sean, um dos guardas de Roland, entrou no escritório.
— Vossa Majestade, o Ministro da Indústria Química, Sir Kyle, deseja que o senhor faça uma visita ao Laboratório Quatro. Ele disse que houve um pouco de progresso naquilo que o senhor pediu.
— Oh? — Os olhos de Roland se iluminaram. — Mude minha agenda. Estarei lá imediatamente.
— Sim, Vossa Majestade.
Roland, escoltado pelos guardas, chegou no Laboratório Quatro.
Com a instalação da fábrica de ácido e da fábrica de nitração[1], os simples bangalôs, que antes eram usados como oficinas para experimentos e produção, haviam se tornado um verdadeiro centro de pesquisa da Cidade de Primavera Eterna. Próximo ao Rio Vermelho, muros foram construídos para separar as edificações. O centro de pesquisa agora ficava protegido por guardas, possuía uma equipe de logística e havia sido totalmente reformado. Os laboratórios haviam sido repintados com uma cor de creme, dando um ar de grandiosidade e magnificência.
Kyle Sichi não apareceu no portão do Laboratório Quatro para cumprimentar Roland. Apenas o vice-ministro, Chavez, estava lá, parecendo um pouco envergonhado, mas Roland não encarou isso como uma ofensa. Ele conhecia muito bem esse Chefe Alquimista e sabia que tipo de pessoa ele era, então ele só dispensou formalidades com a mão e entrou no laboratório, sem falar nada.
Kyle estava na frente de uma longa mesa. Os olhos dele estavam fixados no condensador, por onde um líquido escoava e pingava num béquer. O líquido âmbar era transparente e possuía um odor familiar. Havia vários béqueres espalhados pela mesa, com líquidos de diferentes tonalidades.
Roland ficou atônito.
Já fazia muito tempo que ele não sentia o cheiro de gasolina.
Certamente, gasolina não era um nome apropriado para chamar esse produto bruto que definitivamente mal podia se comparar à gasolina amplamente utilizada no Mundo Moderno, embora tivessem o mesmo cheiro. Roland ainda tinha um longo caminho a percorrer até que a gasolina se tornasse uma fonte de energia estável.
— Vossa Majestade. — O Chefe Alquimista, que havia acabado de notar a presença de Roland, colocou a mão no peito e disse: — Você estava certo. A Água Negra do Extremo Sul realmente contém muitos componentes líquidos. Eu conduzi alguns experimentos de acordo com o livro “Química Intermediária” e descobri que os componentes poderiam ser separados pela destilação[2], mas… — Ele apontou para os béqueres em cima da mesa. — Se a amostra for destilada ainda mais, a composição de cada componente apresentará pouca diferença.
— Isso quer dizer que você fez do jeito certo. — Roland disse calmamente, já que sabia que todos eram hidrocarbonetos, e que Lucia obteria o mesmo resultado se fizesse o experimento. — O que mais você descobriu?
— Os componentes são todos combustíveis, e a camada superior dos líquidos obtidos por meio da destilação é mais volátil por natureza, como esse aqui… — Kyle pegou o béquer que continha o líquido âmbar e o agitou levemente. — Se acendermos esse aqui, ocorrerá uma explosão! Vossa Majestade, o senhor planeja fazer um explosivo ainda mais potente?
Roland riu enquanto observava o animado alquimista, que, na sua opinião, havia finalmente melhorado e se tornado um verdadeiro químico, pois agora ele poderia associar materiais combustíveis a explosivos.
Na verdade, a Água Negra utilizada nesse experimento havia sido retirada do Cabo Sem-fim.
Desde o início, Roland sempre suspeitou dessas poças de óleo que geravam o tal fogo subterrâneo que nunca se apagava. O petróleo pertencia a uma grande família. Já que o petróleo era o bote salva-vidas da indústria moderna e o material essencial que havia influenciado fortemente a 1ª Guerra Mundial, Roland possuía muito conhecimento sobre o assunto. Na verdade, a diferença entre os petróleos coletados no oriente e no ocidente do Mundo Moderno era imensa, tão imensa que poderiam ser enxergados como dois líquidos diferentes. A cor do petróleo variava drasticamente; podendo ser dourada, verde-escura para negra, castanha e até mesmo transparente. Tinha petróleo que era tão fino quanto a água, já outros eram grossos e pegajosos. Uns eram extremamente inflamáveis; já outros, não.
Em termos comparativos, qualquer mistura de hidrocarbonetos consistindo de hidrogênio e carbono poderia ser vista como um tipo de petróleo.
Portanto, não era estranho classificar a Água Negra como petróleo.
Em outras palavras, pouco importava se a Água Negra se parecia com o petróleo do Mundo Moderno; o que importava mesmo era obter óleo combustível disso. Afinal, até mesmo as pessoas do Mundo Moderno não haviam conseguido desvendar completamente a origem do petróleo, nem realizado pesquisas aprofundadas sobre todos os membros da família dos petróleos. Quando jovem, Roland ouvia muitas pessoas falarem que o petróleo seria totalmente utilizado em 50 anos, mas acabou que novas fontes de petróleo foram descobertas pelo mundo, e com mais frequência do que a velocidade de consumo em si. Além disso, o somatório de todas as reservas de petróleo no mundo havia excedido em muito a quantidade de óleo calculado com base na hipótese da biotransformação.
[1] – A nitração é a introdução irreversível de um ou mais grupo nitro em uma molécula orgânica. O grupo nitro pode atacar um carbono para formar um nitrocomposto, um oxigênio para formar éster nitrato ou um nitrogênio para obter N-nitro compostos.
[2] – A destilação é uma técnica de separação de misturas. Em termos práticos, quando temos duas ou mais substâncias formando uma mistura líquida, a destilação pode ser um método para separá-las. Um exemplo de destilação que remonta à antiguidade é a destilação de bebidas alcoólicas.