No dia seguinte, Seo Jun-Ho ficou esperando em um banco em frente ao portão oeste desde o amanhecer até agora. Ele estava vestido da mesma forma que no dia anterior quando foi caçar os lobos chicote.
‘Mas dessa vez é por um motivo diferente…’
Ele estava cheio de uma determinação semelhante de quando entrava nos Portais. Afinal, de acordo com a maioria dos Jogadores, as masmorras tinham um nível parecido com os dos Portais.
“Desculpa, estou atrasado.” Hakan parecia completamente diferente de ontem. Ele estava usando uma armadura de couro e carregando uma besta e uma aljava com flechas amarradas às costas.
“Vamos.” Seo Jun-Ho respirou o ar matutino enquanto deixavam os portões. “A Tumba de Shafirim fica longe daqui?”
“Não muito. As pessoas nunca veem o que está bem debaixo de seus narizes. São só duas horas de caminhada.”
“Isso não é tão ruim. Você sabe em que nível estão os monstros?”
“… Os da entrada estavam mais ou menos no nível 60. Os que ficam para para o fundo da masmorra podem ser mais fortes.”
“De que eles espécie são?”
“Kobolds.” O rosto de Hakan ficou sombrio. “Não tenho certeza se você ouviu os rumores, mas as hordas de kobolds perto de Gilleon têm se multiplicado recentemente.”
“Ouvi.” Iria acontecer até um concurso de caça aos kobolds.
“Mas tinha algo de diferente nos kobolds que encontrei na tumba.”
“O que você quer dizer?”
“A pele deles era vermelha como sangue e eram duas vezes maiores que os kobolds normais. Se não fosse por suas aparências únicas, eu não os teria reconhecido. Achei que eram orcs no começo.”
“Kobolds de sangue.” Seo Jun-Ho deu um aceno de cabeça. Eles foram mencionados no guia de monstros que recebeu da guilda Labirinto. “Eles não são só fisicamente poderosos, mas também enlouquecem ao ver sangue… Não é fácil de lutar contra eles.” Apesar dos ferimentos, eles não paravam, pareciam com zumbis. Embora estivessem no nível 60, seria difícil lidar com eles, mesmo para os Jogadores que estavam acima do nível 80.
“Podemos realmente derrotá-los só com nós dois?”
“Sim.” Ele olhou profundamente nos olhos temerosos de Hakan e falou com confiança: “Não importa quantos sejam.”
Hakan não sabia por que, mas de alguma forma se sentiu tranquilizado depois de ouvir as palavras de Seo Jun-Ho.
***
“Chegamos.”
“Nossa, isso seria difícil de encontrar, mesmo se marcasse em um mapa.”
A entrada da Tumba de Shafirim estava escondida entre os arbustos de um pântano. Teria sido quase impossível encontrar se eles não soubessem o que estavam procurando.
“Vamos entrar.”
Eles desceram as escadas, com Seo Jun-Ho naturalmente assumindo a frente. “Eu vou na frente. Pode ser perigoso.”
“Obrigado. Vou carregar a luz.” Hakan acendeu a lanterna que carregava e a área ao redor deles se iluminou. Seo Jun-Ho começou a descer o túnel.
“Ao invés de uma tumba… Parece mais com uma caverna.”
“Já faz um bom tempo desde que os kobolds começaram a habitar esse lugar. O fedor deles é sufocante.”
“Ainda assim, é bom que seja espaçoso aqui.” Seo Jun-Ho murmurou, puxando Carrasco. Havia espaço mais do que o suficiente para balançar a alabarda. Como o túnel só tinha um caminho, também não haveria problemas em proteger Hakan. “Na verdade, não é tão ruim quanto eu esperava…”
Ele parou quando viu um par de olhos vermelhos brilhantes na escuridão. Eles estavam a cerca de 20 metros de distância. “Realmente não é ruim. Só tem um.”
“Que estranho. Tinha dois deles da última vez que vim…”
“Talvez o outro tenha ido ao banheiro?” Seo Jun-Ho levantou sua alabarda.
“Espera. Deixe esse comigo.” Hakan cuidadosamente colocou a lanterna no chão e tirou a besta de suas costas. Ele encaixou uma flecha em cada corda do arco e fechou um olho enquanto mirava. As duas flechas dispararam na escuridão, perfurando a cabeça e o coração do kobold. Ele não conseguiu nem gritar.
“Uau.” Seo Jun-Ho ficou impressionado. “Você é bastante habilidoso com a besta.”
“Eu a uso há 30 anos. Isso é o mínimo que devo ser capaz de fazer.” Hakan sorriu e pegou a lanterna novamente. “Começamos bem. Vamos continuar.”
Eles continuaram andando até se aproximarem do cadáver do kobold. Os olhos de Seo Jun-Ho se arregalaram. “É enorme. Agora entendi por que você pensou que era um orc.”
Um kobold normal tinha cerca de 130 centímetros de altura, mas o kobold de sangue tinha mais de 160 centímetros. Além disso, graças aos seus músculos proeminentes, ele realmente se parecia com um orc quando visto por trás.
‘Interessante…’
Seo Jun-Ho continuou, ansioso para lutar contra eles. “Vamos indo.”
Cerca de cinco minutos depois, eles entraram em uma clareira. Era bastante grande, considerando que eles estavam no subsolo.
“Hm…” Hakan levantou a lanterna. O túnel se dividia em dez caminhos diferentes. “Não tenho certeza de qual caminho seguir.”
“Temos muito tempo. Vamos passar por cada um.”
No momento em que ele falou, a caverna começou a vibrar. Os dois franziram a testa enquanto olhavam para o chão.
“Você também sentiu isso?” Hakan perguntou.
“Sim…”
“Estranho. Nunca teve terremotos por aqui…”
“Não foi um terremoto,” Seo Jun-Ho murmurou. Ele olhou para os túneis escuros.
Hakan rapidamente baixou a lanterna e preparou sua besta. “São eles?”
“Sim…”
O rosto de Seo Jun-Ho ficou sério quando as vibrações ficaram mais fortes.
‘Se está vibrando só com seus movimentos, então…’
Tinha que haver muitos deles. Ele se virou para Hakan. “Não saia do meu lado.”
“Certo!”
Seo Jun-Ho girou a alabarda em suas mãos e ocupou seu lugar no centro da clareira. Um momento depois, os kobolds saíram de um dos túneis.
Grrrrr!
Awooo!
Kobolds pareciam cães bípedes, mas os kobolds de sangue tinham pelo vermelho brilhante e babavam como se fossem estivessem furiosos. Eles estavam carregando armas brutas.
“São dez… n-não, vinte…?” Hakan começou a tremer enquanto eles continuavam aparecendo. Os kobolds facilmente somavam mais de cinquenta. Seu queixo caiu. “C-como?”
Ele achou que estavam tendo sorte porque só encontraram um na entrada, mas sua comemoração foi muito apressada.
“…O seu cheiro.” Seo Jun-Ho sussurrou. “Eles devem ter reconhecido o seu cheiro.”
Hakan empalideceu. Kobolds tinham um olfato aguçado porque eram cachorros, mas já fazia um mês desde que ele entrou na tumba. Portanto, ele não esperava que eles ainda se lembrassem de seu cheiro. Ele mordeu o lábio. “Desculpe…”
Por causa de seu erro estúpido, ele colocou um jovem Jogador em perigo. Ele não tinha certeza se conseguiriam sair vivos, muito menos limpar a Masmorra.
Mas quando Seo Jun-Ho se virou para ele, sua expressão permanecia inflexível. A magia começou a se acumular dentro dele. “Você se lembra do que eu disse antes? Não importa quantos sejam.”
***
Hakan fechou os olhos e tentou se recompor. Não havia nada que ele pudesse dizer. Tinha sido seu próprio erro tolo.
‘Mesmo depois de passar os últimos trinta anos como mercenário… eu sou patético.’
Desde os dezessete anos até seus quarenta e sete atuais, ele viveu como um mercenário. Como resultado de sua experiência, ele nunca duvidou de seu status de veterano.
‘Mas…’
Ele sorriu amargamente. Ply estava certo. Ele só percebeu isso quando ficou cara a cara com a morte.
‘Eu fiquei velho…’
Ele agora estava muito velho e muito fraco para ser um mercenário. Ele não tinha mais o intelecto aguçado e a determinação que tinha quando era mais jovem. Sua força e resistência também estavam começando a cair. Ele era o único que não tinha percebido isso.
‘Sophia, você estava certa.’
Sua esposa continuou insistindo para que ele desistisse. Como ele poderia encontrar a estátua sozinho quando eles tiveram tão pouco sucesso enquanto trabalhavam juntos? Ela disse que não tinha problema e que ele deveria desistir.
Mas era mais fácil falar do que fazer…
‘Sophia… eu não posso desistir.’
Ele se apaixonou por ela desde que começaram a viajar juntos pelo Império, caçando monstros e completando missões. Ele amava suas bochechas fofas e gordinhas, sua personalidade alegre e infantil e a maneira como ela conseguia lidar com seu eu estoico. Sempre que sonhava com uma vida sem ela, ele acordava suando frio.
‘Eu sei.’
Ele a ouvia gemer de dor no meio da noite, mesmo depois de puxar o cobertor sobre sua cabeça e enterrar seu rosto nos travesseiros para tentar abafar seus gemidos para que ele não tivesse que se preocupar com ela.
‘A única coisa que posso fazer por ela é…’
Não importa o quanto ele pensasse sobre isso, a única coisa que ele poderia fazer por ela era encontrar a Estátua da Deusa de Cinco Cores.
‘Então… ‘
Hakan tomou sua decisão, uma nova determinação brilhou em seus olhos. Ele apontou sua besta para os kobolds que avançavam. “Corra! Eu vou ganhar tempo!”
“…?” Seo Jun-Ho se virou surpreso.
Eles só se conheceram há algumas horas, mas Hakan sabia que Seo Jun-Ho era um bom homem. Afinal, Seo Jun-Ho não o culpou e até tomou a frente de forma teimosa para proteger os dois. O olhar de Hakan ficou mais gentil. “Volte e reúna pessoas em quem você pode confiar. E… complete essa masmorra e dê a estátua para a Sophia, a minha esposa. Por favor…” Sua voz era velha e desgastada, mas estava cheia da determinação destemida de um veterano.
‘O caminho se divide aqui, mas o túnel atrás de nós só vai em uma direção. Posso ganhar pelo menos um minuto para que ele possa correr.’
“Vá! Rápido!”
“…”
Seo Jun-Ho não se mexeu um centímetro. Ao invés disso, parecia observá-lo com interesse.
“O que você está fazendo?” Hakan gritou. Ele estava começando a entrar em pânico. Se Seo Jun-Ho demorasse, eles ficariam sem tempo.
“Não quero.” Seo Jun-Ho balançou a cabeça.
Ele sentiu algo quebrar dentro dele. Seo Jun-Ho era sua única esperança. Mesmo que morresse aqui, morreria feliz sabendo que Sophia poderia se recuperar.
“P-por que…?”
“Não quero fazer isso.” Seo Jun-Ho se virou para a multidão de kobolds e ergueu sua alabarda. Seus pés estavam plantados firmemente no chão e sua postura emanava confiança.
‘Ele não tem consideração por sua própria vida?’
Os kobolds de sangue eram fortes. Eles eram duas vezes maiores que os kobolds normais e eram mais inteligentes e rápidos. A maioria dos aventureiros ou Jogadores teria problemas para derrubar somente um deles.
“Se você quer que ela melhore, leve a estátua para ela pessoalmente. Tenho certeza de que é isso que a sua esposa prefere.”
A armadura negra se desdobrou para cobrir seu corpo e sua alabarda começou a pulsar com uma aura escura e poderosa. Ele a balançou alto e a desceu na cabeça de um kobold de sangue, cortando-o ao meio enquanto sangue e massa cerebral se espalhavam pelo ar.
Um cheiro forte preencheu o ar quando o sangue quente espirrou no chão e os kobolds de sangue começaram a rosnar. Seus olhos ficaram mais brilhantes e eles começaram a babar ainda mais.
“C-cuidado!” Hakan gritou e estendeu a mão.
Mas Seo Jun-Ho balançou sua alabarda casualmente, aparentemente sem pressa. Ele a fez cortar em um arco crescente, deixando uma pós-imagem brilhante para trás.
E então sangue choveu no chão da caverna…
“Eu já disse isso duas vezes, por que você não confia em mim?”
Ele tinha derrubado quinze kobolds de sangue com um único golpe. Hakan abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu.
Seo Jun-Ho se virou e sorriu. “Não importa quantos deles tenham aqui.”