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The Beginning After The End – Capítulo 517

À Beira do Nada II

POV SYLVIE LEYWIN

Antes de dar aquele passo, fechei com força as cortinas entre minha mente e a de Arthur. Não conseguia explicar a atração do rio sobre mim e temia o que isso poderia fazer com ele se nossas mentes ainda estivessem entrelaçadas quando eu entrasse na corrente. Atacá-lo de repente com um turbilhão indecifrável de sensações enquanto ele lutava contra aquela criatura poderia ser sua ruína. Assim como eu não conseguia manter nossa conexão enquanto ele estava sob a influência do Gambito do Rei, achei que a força do rio poderia sobrecarregá-lo.

Mesmo além de minhas defesas mentais, senti Arthur se sobressaltar ao me ver com água até os joelhos na correnteza acelerada. Minha consciência já estava sendo puxada para longe de mim, arrastada pela corrente. Não era arrancada, nem transformada em outra coisa, mas… estendida. Eu era uma filha do tempo. Minha experiência com ele nunca foi linear, e essa percepção estava gravada na superfície do meu núcleo.

As águas etéreas puxavam minhas pernas, meus pés escorregavam no lodo, mas meu corpo permanecia firme. Era minha mente que vagava, não apenas descendo pelo rio do tempo, mas também subindo por ele.

Resisti ao impulso de seguir as correntes, optando por extrair do rio assim como ele extraía de mim. Eu precisava compreendê-lo antes de poder usá-lo, mas não havia tempo!

Quase ri da ironia, quando de repente Arthur estava de costas, seu agressor arfando palavras ásperas em seu rosto:

— Vida. Odiosa, detestável vida. Precisa terminar. Devo esvaziar… você. — Do torso magro cresceram dois braços finos, mãos de dedos compridos se estendendo para a garganta de Arthur.

Foda-se a compreensão, rasguei a água com as mãos. Meu poder irrompeu de mim, e o tempo cambaleou até parar. Todavia, o puxão do rio pressionava contra mim, como uma represa antinatural tentando conter o fluxo. Arthur conseguiu se esquivar por pouco, e então, de repente, meu domínio sobre o éter foi arrancado de mim.

Vi a mim mesma, minha vida, minhas escolhas. Nascimento e renascimento, vitórias e derrotas, sempre sombreadas pelos espectros da minha mãe e do meu pai, e do meu avô, mas sustentadas na mesma medida pelo meu irmão em vínculo e pai, amigo e aliado, mestre e servo, todos em um só. Ao sentir as raízes entrelaçadas da minha existência se espalhando por cima e por baixo no rio, percebi o quão profundamente as raízes de Arthur estavam ligadas às minhas. Estávamos verdadeiramente conectados, quase simbióticos; nenhum de nós existia sem o outro, um paradoxo vivo equilibrado em um único fio dourado.

Pensar nele foi como um cabo de segurança me puxando de volta ao presente.

Claire ficou sozinha diante da aparição etérea. Arthur se preparava para atacar.

— Olhe! — pensei. E então, tão súbito quanto uma guilhotina, tudo acabou.

Os outros começaram a falar, e embora eu interviesse quando achava necessário, a maior parte da minha consciência permanecia espalhada pelo rio.

Suas águas — que não eram água, não realmente — me envolviam até a cintura. Apesar da velocidade com que se movia, a superfície era límpida, interrompida apenas pelas finas ondulações causadas por meu corpo perturbando sua passagem. Nessas ondulações, vi a metáfora da minha presença perturbando o rio do tempo, a forma como o havia atravessado, percorrido e me transformado para fazer parte dele.

No reflexo da água lisa, vi a mim mesma. Estava bem abaixo da superfície, braços agitados, sendo arrastada pela corrente…

— O que você está vendo? — perguntou a voz de Arthur em minha mente.

— O que o rio parece para você, Arthur?

— Perigo. Parece mais o vazio do que o próprio vazio.

— Porque é o tempo. Ele só flui em uma direção. Pelo menos, para a maioria das pessoas. Para mim, entretanto… Arthur…

— Eu posso ver tudo.

Minhas palavras se assentaram entre nós como uma barreira física, enquanto minha noção de presente se esvaía e meus olhos se fixavam no reflexo afogado e agitado diante de mim. Se Arthur respondeu, não ouvi.

Quase sem perceber, estendi a mão, segurei a mão do meu reflexo e me puxei para fora do rio. Essa versão de mim sentou-se na superfície da água, tossindo e engasgando.

— Respire. Acalme seu coração. Assuma o controle. — As palavras voltaram até mim como um eco, como uma lembrança, e as disse do mesmo jeito desprendido com que havia mergulhado na água. — Esse poder vai engolir você por completo, se permitir. Assuma o controle.


POV TESSIA ERALITH

— Sylv. Sylvie!

Olhei para cima do lugar onde Varay, Regis e eu estávamos sentados, com as costas voltadas para o… espaço vazio, incompleto, que me dava vertigem só de olhar.

Arthur estava de pé na margem, gritando por Sylvie, que estava com o corpo imerso até o estômago naquele estranho e suave rio.

— Não se preocupe, ela está… bem — disse Regis quando comecei a me levantar, suas palavras me fazendo parar.

Indecisa, observei Arthur, mas ele havia parado de gritar. Parecia que ele estava assentindo, e deu um passo para trás, afastando-se da margem.

— Ela está lidando com algo bem pesado, pelo que consigo perceber. Minhas sobrancelhas se ergueram com as palavras de Regis, e ele continuou: — Ela está bloqueando, em grande parte, nossa conexão, mas ainda aparece e desaparece. Confuso, na verdade. Mas ela não parece estar com dor ou em perigo, e disse a Arthur para se concentrar, então… — seus ombros lupinos subiram e desceram, — de todo modo, é melhor focarmos no nosso lado da coisa.

— Claro — respondi, voltando a me acomodar na areia negra e olhando para Varay. Seus olhos estavam fechados, mas se moviam sob as pálpebras, e seus traços estoicos estavam fixos numa expressão séria de concentração. — Desculpe, Varay. O que você estava dizendo?

Um dos olhos escuros se abriu e me observou.

— Eu perguntei se você consegue sentir onde o mana e o éter colidem.

Limpei a garganta e endireitei a postura, tentando me adaptar à armadura que me envolvia como um punho escamoso.

— Mais ou menos. Não consigo sentir o fluxo com a mesma clareza que você, mas consigo… meio que visualizá-lo.

— Explique — disse ela, os olhos já fechados novamente, uma pressão pesada emanando dela.

Balancei levemente a cabeça, lutando para encontrar as palavras, mas é claro que ela não podia me ver.

— Cecilia tinha essa habilidade… ela conseguia ver as partículas individuais de mana, tanto as atmosféricas quanto as moldadas em feitiços.  Eu não consigo — acrescentei rapidamente, sem querer passar a impressão errada —, mas às vezes, quando fecho os olhos e realmente sinto a mana, consigo meio que… imaginar que posso.

Uma linha fina apareceu entre as sobrancelhas de Varay enquanto se uniam em concentração.

— Como Arthur faz? Interessante. Mas isso era um aspecto do fato de ela ser a Legado, não algo que ela adquiriu pela Integração?

— Exato — murmurei, mordendo o lábio. — Mas… você é sensível o suficiente para detectar o tipo elemental de pequenos bolsões de mana, certo? Até que ponto você consegue sentir? Partículas individuais, talvez?

Ela não respondeu de imediato. Senti a pressão que emanava dela aumentar, e soube que ela devia estar estendendo e focando seus sentidos para responder minha pergunta.

— Toda a mana aqui está purificada, contida dentro do feitiço. Não há mana elemental atmosférico.

Franzi a testa. Com certeza isso não…

Voltei meus próprios sentidos para a mana. Como uma maga de núcleo branco, eu era muito mais sensível do que antes de meu longo confinamento dentro do próprio corpo, mas muito menos que Cecilia. A mana neste lugar era moldada e fluía como se estivesse sendo constantemente canalizada em um feitiço. Nunca estive em um lugar sem mana atmosférico, e todo mana atmosférico era, por natureza, elemental.

— Como não percebi isso antes? — Embora tenha falado em voz alta, a pergunta era mais para mim mesma. Meus olhos caíram sobre Regis, que estava sentado ao nosso lado, vigiando atentamente a praia. — É normal as Relictombs não terem mana elemental?

Seus olhos brilhantes cintilaram de divertimento.

— Não existe “normal” aqui. Isso supondo que “aqui” de fato sejam as Relictombs. Não estou convencido disso.

— Mas se não estamos dentro das Relictombs, isso significa que este feitiço não é uma criação dos antigos magos… e ainda assim, não pode ser um fenômeno natural, já que não há mana atmosférica aqui. Então, quem está conjurando esse feitiço?

Meus olhos caíram sobre meu colo enquanto eu considerava a pergunta de Varay, mas nada nos insights de Cecilia ou nas memórias do meu tempo com Agrona ajudavam a respondê-la.

Um movimento arrancou meu olhar de volta para o mar um instante depois, quando algo emergiu da água. Formou-se entre Sylvie e Arthur, que rapidamente recuou quando a exoforma de Claire cruzou a praia como um raio, sua espada empunhada em duas mãos maciças com garras. A criatura recém-formada, muito parecida com a primeira, encarou Sylvie por um único momento antes de se voltar para a exoforma que se aproximava.

Claire esperou um instante até que a manifestação se concentrasse nela. Seu poder oscilou violentamente de incrivelmente forte a indetectável nos momentos após surgir, até que seu foco se fixou completamente em Claire. Ela avançou contra a exoforma. A lâmina maciça foi um traço alaranjado na escuridão, e então a criatura desapareceu, sem sequer conseguir sair da água.

Claire e Arthur se reuniram para discutir algo. Sylvie sequer havia se mexido; eu não tinha certeza se ela havia notado a aparição da criatura. Bairon voava de volta pela costa em direção aos outros, envolto em trovões que, para mim, pareciam uma manifestação física de frustração.

Mas além de todos eles, bem na borda da parede indefinível à minha direita, eu vi novamente.

Um movimento sutil, como uma silhueta escura contra um fundo sem luz.

Uma forma humanoide. Achei que já a tinha visto antes, mas quando olhei de novo, ela havia sumido, e ninguém mais tinha percebido.

Dessa vez, no entanto, quanto mais eu olhava, mais sólida a forma se tornava.

— Eu… preciso esticar as pernas — falei desconfortavelmente.

A única resposta de Varay foi um sopro de ar pelas narinas dilatadas, mas Regis se levantou e caminhou ao meu lado. Abri a boca para dizer que estava tudo bem, mas percebi imediatamente que ele provavelmente não me obedeceria, e também que me sentiria mais confortável se ele ficasse comigo.

— O que foi? — perguntou, a voz baixa e grave. — Você viu alguma coisa, não viu?

Assenti. Meus pés afundavam na areia enquanto caminhávamos pela praia, passando por Arthur e Bairon, que conversavam. Os olhos de Arthur me seguiram, suas sobrancelhas se erguendo levemente, e pude perceber que ele estava segurando algo que queria me dizer.

— Não vou longe — garanti.

Ele me deu um sorriso tenso, quase constrangido, e esfregou a nuca.

Ri baixinho.

— Não preciso estar na sua cabeça para saber o que você está pensando.

Regis respondeu com um grunhido divertido.

— Engraçado, porque eu estou na cabeça dele e metade do tempo não entendo a princesa.

Passamos por eles, e mais detalhes da forma sombria tornaram-se visíveis. Percebi que ela — sim, definitivamente uma mulher — era alta, com pele azul ou talvez roxa, vestindo uma túnica ornamentada e fluida. Pisquei e esfreguei os olhos. Ela flutuava a cerca de quinze centímetros do chão, mas assim que notei, ela também pareceu perceber, e sua forma se alterou como sombras sob a água. Agora estava firmemente apoiada no solo.

— Você ainda não vê ela? — perguntei, sem desviar os olhos da mulher, caso ela desaparecesse quando não estivesse olhando.

— Ela? — Regis respondeu, olhando em volta.

— Está bem na borda do espaço visível — respondi, mas cortei minhas palavras quando a cabeça começou a girar. Tinha olhado um pouco demais para a direita, expondo-me à parede de absoluto nada.

— E você definitivamente não está, sabe, pirando? Perdendo os parafusos? Ficando maluca? Enlouquecendo…?

— Já entendi — interrompi a ladainha dele. — Mas… acho que não.

— Você deveria ter mais confiança em si mesma —, uma voz soou em minha mente, rígida e feminina.

Parei bruscamente, a uns dez metros de onde a mulher estava.

— Foi você?

— É, definitivamente pirando — murmurou Regis ao meu lado.

— Sim, assumindo que esteja falando comigo. — A mulher inclinou levemente a cabeça, e percebi então que ela tinha tatuagens rúnicas no rosto e no dorso das mãos. — Não esperava que ninguém, nem mesmo você, pudesse me ver. Um erro de cálculo, claramente. Deve ter a ver com o modo como estamos entrelaçadas.

— Entrelaçadas? — pensei de volta, e então: — Sua voz. Eu a reconheço Você é… Ji-ae. — Examinei seu corpo “físico” de cima a baixo e percebi outra coisa. Aquilo não era um corpo físico. O que eu via era algum tipo de projeção nas Relictombs; ou onde quer que estivéssemos. Disse isso mentalmente.

— Acertou nas duas, como dizem por aí. — Ela respondeu.  — Estou aqui para observá-los. No improvável caso de que saiam daqui, precisarei informar o Alto Soberano Agrona, é claro, mas vocês também são fascinantes, assim como este lugar. Estou muito curiosa sobre como interagirão com ele.

Olhei para baixo e à minha esquerda, encontrando Regis me encarando com olhos brilhantes. Suas sobrancelhas lupinas se ergueram, e eu repeti o gesto. Seus olhos pularam dos meus para meu esterno, meu núcleo. Franzi a testa, incerta. Ele inclinou levemente a cabeça. Mordi o lábio e assenti. O grande lobo sombrio tornou-se incorpóreo e translúcido, depois se condensou, perdendo a forma, até finalmente adentrar meu corpo, como fizera ao trazer a armadura de Arthur.

Estremeci com sua intrusão em meu núcleo, e algo dentro de mim se rebelou contra a ideia de compartilhar meu corpo com outra presença, mas também houve uma pulsação distinta de poder irradiando por meu corpo, parecendo aquecer a armadura justa contra minha pele, que agora me parecia confortável naquele cenário alienígena.

— O-O que você descobriu sobre este lugar? — perguntei a Ji-ae após um momento, sacudindo a náusea no estômago. Não era a primeira pergunta que me vinha à mente, mas já tinha visto sua lealdade a Agrona. Duvidava que qualquer palavra minha a fizesse mudar de lado.

— Você pergunta porque acha que eu poderia, inadvertidamente, dar-lhe alguma informação crucial que revelaria como escapar? — Ji-ae respondeu, sua voz plana e pragmática.

— Uau, consigo ouvi-la —, a voz de Regis ecoou em resposta, seu tom mental mais áspero e ligeiramente mais grave que sua voz audível. — Então você é a famosa Ji-ae, hein? A moça-enciclopédia.

Ela inclinou levemente a cabeça.

— Fascinante. Você é a entidade consciente conhecida como Regis, um ser nascido do aclorito, da mana condensada de múltiplos usuários mágicos poderosos, da vontade de Arthur Leywin e das próprias Relictombs. Até onde sei, ninguém entre nós jamais previu tal evolução da magia etérea. Os asura são conhecidos por forjar armas sencientes e novas formas de vida, mas você, especificamente, a maneira como está vinculado a Arthur Leywin, sendo ao mesmo tempo parte dele e uma entidade consciente independente, é verdadeiramente extraordinário.

Senti minha mandíbula se apertar de nervosismo ao ouvi-la falar, digo, pensar… ah, tanto faz. Fiquei surpresa e desconfortável com a quantidade de informações que ela possuía.

— “Verdadeiramente Extraordinário” vai ser o título da minha autobiografia — respondeu Regis, suas emoções transbordando para mim. Ele não parecia compartilhar minha ansiedade.

— E você também é divertido — respondeu Ji-ae, sem qualquer traço de humor na voz. — Imagino que seu tipo de humor forçado e imaturo seja um escudo contra seus medos de que, no fim, você não passe de uma arma para ser empunhada por outro.

O pelo de Regis se eriçou, como se estivesse pronto para atacar.

— Você não me conhece.

O rosto da mulher era de traços rígidos e severos, sua pele azul esfumaçada escurecendo na linha fina e reta dos lábios.

— Talvez ainda não, mas estou começando. Sou, como você disse, a “moça-enciclopédia”, não?

Regis soltou um grunhido que soou surpreendentemente humano.

— Olha, tanto faz, moça, mas se vai ficar aí nos despindo mentalmente, vai ter que pagar por isso.

Subitamente fiquei desconfortável. Sabia que estava me mexendo demais e falhando miseravelmente em manter qualquer compostura, mas suspeitava que a projeção djinn não precisasse ler expressões faciais para entender o que eu sentia.

— Lady Eralith?

Levei um susto, soltando um pequeno grito enquanto me virava para encontrar Bairon a poucos passos de distância. Minha mão voou até o peito, pressionando contra o coração disparado, enquanto deixava escapar uma risada constrangida.

Ele ergueu as mãos, palmas voltadas para fora, parecendo igualmente envergonhado e preocupado. — Perdoe-me. Você ficou imóvel aqui por um tempo, e eu só queria ter certeza de que estava bem. — Seus olhos desviaram-se para além de mim, onde Ji-ae estava, embora não demonstrasse realmente vê-la.

— Só… tentando entender algumas coisas — respondi hesitante.

Ele assentiu.

— Parece que caberá a você, Varay e Arthur nos tirar daqui, enquanto Claire nos protege. — Um músculo contraiu-se em sua face. — Vou deixá-la sozinha.

Ele girou nos calcanhares e, antes que eu pensasse em dizer qualquer coisa, levantou voo, retomando sua patrulha pela costa.

— Ele não enxerga seu próprio papel. — Ji-ae disse em minha mente. — Sua percepção é estreita demais para compreender a dimensão da própria jornada.

Esperei que ela desenvolvesse esse pensamento, mas ela apenas me encarou. Uma onda de preocupação brotou de Regis.

— Sylvie…

Virei-me parcialmente na direção dela quando uma onda de choque mental me atingiu. Caí de joelhos, ofegante. Não me lembrava de estar tão próxima da água, mas, de repente, a maré lambia meus pulsos e eu estava de volta à Cidade de Telmore, vendo Arthur se sacrificar para me impedir de cair nas mãos de Cadell e Nico. Ou não… agora estava em Xyrus, sendo arrastada pelos cabelos por Lucas Wykes. E então, na Floresta de Elshire, abandonando minha posição por acreditar que podia conter o inimigo sozinha. Em Eidelholm, olhando para Nico e percebendo que não havia escapatória…

— Calma, só respire… — A voz de Sylvie soou em minha mente, clara e limpa como um sino de prata.

Olhei ao redor.

— Onde… estamos?

Arthur, Sylvie, Regis e eu estávamos no pico de uma montanha. Abaixo de nós, reconheci a Muralha… ou o que restou dela.

Um grande fragmento de Epheotus havia se chocado contra ela, reduzindo a enorme muralha de pedra a escombros. Só que não foi só a Muralha. Ao girar para observar o mundo, tudo que vi foi fumaça e ruína. Xyrus, ao longe, no oeste, havia despencado do céu. A Clareira das Bestas eram um buraco negro fumegante. Os pequenos bosques que brotavam por Elenoir haviam sido varridos por fogo e destroços. Por toda parte, imensas ilhas quebradas haviam se chocado contra o solo, formando crateras. Até partes das Grandes Montanhas haviam desabado.

— Isso é…? — Minha garganta contraiu-se, impedindo que terminasse a frase.

— Não — respondeu Sylvie. Uma segunda voz ecoou por trás da dela, quase imperceptível, ou talvez dentro da minha cabeça. — Isso ainda não aconteceu. Neste momento, os anões, fênix e pilotos de exoformas estão lutando para evitar que aconteça. Asuras de todas as raças agarram-se às bordas da ferida para evitar que se expanda.

Ela fez uma pausa e suspirou, exausta.

— Mas este é o futuro. Ou um futuro possível, talvez até mesmo provável. É o que acontecerá se não escaparmos. Se não fecharmos a ferida… — Sua voz esmoreceu enquanto ela se voltava para a fissura, e nós a acompanhamos.

O imenso rasgo no céu não despejava mais massas de terra. Enquanto observávamos, ele… encolhia.

— Está se fechando — murmurei.

Arthur pegou minha mão.

— Epheotus se foi — disse ele. — Agora é só…

De repente, a ferida se contraiu, reduzindo-se do tamanho do céu a uma única fenda sobrevoando a Clareira das Bestas como um olho ametista brilhante.

Então…

Uma erupção. Uma nova de éter se expandiu pela Clareira das Bestas antes de atingir as Grandes Montanhas ao sul.

A cordilheira explodiu, pedaços espalhando-se pelas colinas de Darv.

A nova continuou se expandindo, apagando o mundo atrás de si.

Destruindo tudo por onde passava. Não restando nada.

Uma parede de luz violeta engoliu tudo. Estávamos de volta às Relictombs, alinhados na praia, encarando o incompreensível nada. Empalideci e tentei desviar o olhar, mas…

— A cortina! — As palavras escaparam de mim, engasgadas em lágrimas que nem percebi estar derramando. — Mas como…?

Arthur estava à minha esquerda, Sylvie à direita. Regis do outro lado de Arthur, depois Claire. Varay ao lado de Sylvie. Arthur e Sylvie pegaram minhas mãos, e todos nos unimos em uma corrente.

— Isso também é o futuro, não é? — Arthur perguntou, olhando para Sylvie. Meu estômago revirou. — Isso não é… real?

Ela sorriu tristemente e balançou a cabeça.

— Mas pode ser? Não consigo…

Ofeguei quando alguém me puxou para longe da beira da água. Arrastei-me para trás como um caranguejo e desabei de lado, ofegante. Regis tremia dentro do meu núcleo. Percebi imediatamente que ele estava enfraquecido, mas não entendi o que havia acontecido.

Olhei para cima e vi o rosto de Varay, seus olhos escuros arregalados, o semblante ainda mais pálido que o normal.

— Que diabos foi aquilo? — perguntou ela.

— Não tenho certeza — admiti, a voz rouca pela garganta apertada.

Sylvie ainda estava na água, mas agora seus olhos estavam fixos em mim. Arthur levantava-se da areia negra, atordoado, com Bairon ao lado. Claire se afastava pela praia; outra das manifestações surgia do rio a cem metros dali.

A fonte de calor e energia que era Regis, agora pequena e escura, escorreu para fora de mim, formando um corpo físico. Agora do tamanho de um filhote, sua juba normalmente flamejante era apenas uma brasa tremeluzente.

— Não estou nem um pouco empolgado com isso — resmungou, cansado

As sobrancelhas de Varay se ergueram e ela disse:

— Eu… descobri uma coisa.

Esperamos os outros se juntarem a nós. Até Sylvie aproximou-se da margem, embora relutante, lançando olhares furtivos para as profundezas do rio.

Arthur, Regis, Sylvie e eu parecíamos compartilhar um cansaço profundo e uma dor na alma depois que Sylvie conectou nossas mentes e nos projetou naqueles potenciais futuros. Ninguém disse nada; apenas aproveitamos o momento para nos recompor enquanto Varay explicava.

— Algo está ativamente moldando a mana neste feitiço, de forma constante e com uma força incrível. Não foi lançado sobre este lugar, e certamente não vem de fora. Não acho que seja parte da construção ou do design deste lugar, ou projetado, ou seja lá como quiserem chamar. — Varay fez uma pausa e olhou para nós. — É o rio. O éter. A mana não está conduzindo o éter. É o contrário.

Bairon resmungou, lançando um olhar para Arthur antes de dizer:

— Está dizendo que as coisas no rio, que continuam nos atacando, estão lançando algum tipo de feitiço?

Varay cruzou os braços, franzindo o cenho enquanto buscava uma maneira de explicar. Seus olhos se voltaram para Sylvie, pedindo ajuda.

— O éter é semi-consciente. Sabemos que ele pode reter intenção. O próprio Destino é isso: a consciência concentrada da magia pura.

— Mas isso não é o Destino. — Arthur interrompeu. — Ele certamente está ciente da nossa presença, mas não está… aqui, no sentido que entendemos. Eu acho que… — Ele fitou meus olhos. — Acho que está determinado a conseguir o que quer, independentemente de escaparmos ou não.

— O Destino é um aspecto da forma maior de todo o éter — continuou Sylvie, erguendo as sobrancelhas para Arthur. — Acho que isso pode ser outro aspecto. O corpo.

A boca de Arthur se abriu num pequeno “o” de surpresa, depois se fechou, com o rosto todo se contraindo em pensamento.

— O que o Destino está tentando combater é essa contenção antinatural. O éter quer estar solto, quer se mover naturalmente, expandir e se acomodar.

— Como açúcar dissolvendo em uma xícara de chá — acrescentou Sylvie, como se acabasse de fazer a conexão.

— Talvez esta seja sua forma de concentrar-se em algum tipo de forma…

— De manter o controle — concordou Sylvie.

Esfreguei a ponta do nariz, lutando para assimilar tudo isso enquanto ainda me sentia fraca e enjoada pelo que vimos do futuro potencial.

— Mas como isso nos ajuda? — Bairon perguntou, seus olhos e os de Varay alternando entre Arthur e Sylvie enquanto cada um falava.

— Isso explica a atração que o rio exerce — respondeu Arthur, encarando a água. Claire acenou de onde estava posicionada como guarda, tendo derrotado rapidamente a última aparição que surgiu. — Não posso sobrepujar o corpo do éter, nem consigo ver a interação com a mana como a Varay consegue, já que a atração sobre todo o éter ao nosso redor é fortíssima.

— Mas vimos a cortina, a saída. — Apoiei a mão sobre o ombro de Sylvie. — Estava no nosso futuro, então sabemos que conseguimos sair daqui.

— Aquele era um dos futuros — corrigiu Sylvie, olhando para Varay e Bairon. — Só porque vi que Arthur pode criar um portal de volta, não quer dizer que eu saiba como fazer isso. — Ela fez uma careta, depois olhou para além de mim, encarando o vazio vertiginoso atrás de nós. Seu rosto ficou pálido, mas ela não desviou o olhar. — Mas sei que vai exigir… muito éter.

Todos entendemos o que ela quis dizer: Arthur já havia gasto uma grande parte de suas reservas de poder.

E ainda temos uma divindade para enfrentar depois disso.

Olhei para as águas roxas e escuras fluindo rapidamente. Uma fonte quase infinita de poder, mas que ele não podia acessar.

De repente, senti olhos queimando meu rosto e virei-me para Sylvie. Ela estava me lançando um olhar significativo. Conhecimento e tempo brilhavam em seus olhos dourados. Vi, refletido neles, o fim de tudo.

O que Arthur havia dito sobre o Destino?

“Acho que está determinado a conseguir o que quer, independentemente de escaparmos ou não.”

— É isso que você quer, Ji-ae? O fim de toda a vida — de toda a vida possível — neste mundo?

Houve uma longa pausa, durante a qual perdi a noção do que os outros diziam. Quando a voz respondeu em meus pensamentos, trazia um tom de finalidade:

— Não.

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