A lua brilhou nos quatro esqueletos incompletos deitados no jardim. A maioria deles eram esguios e revestidos numa substância amarelada. Senhora Cardell tinha uma bandagem envolvida nos seus pulsos, seu rosto pálido por causa da perda de sangue. Ela olhou nos esqueletos algumas vezes com uma expressão confusa. “Nós matamos o monstro, então por que eu não consigo me lembrar deles? Eu não consigo me lembrar do nome deles. Apenas do Tom.”
“O bloco de notas não explica isso”. Roy franziu seus lábios. “Mas eu acho que o apagamento de memória não pode ser revertido, nem mesmo depois da morte do monstro. Os traços só podem ser consertados se a vítima ainda está viva, como o Tom”. O pentagrama na manga de Roy se consertou sozinho.
Cardell abanou sua cabeça, insatisfeita com os resultados.
“Pelo menos nós salvamos o Tom”, Roy disse. “E as crianças nunca mais vão ser machucadas pelo monstro de novo.”
Algo bizarro tinha acontecido quando eles levaram os esqueletos. Uma hora depois disso, o buraco no choupo fechou, e quando Roy derramou sal sobre ele, ele não conseguia invocar o buraco mais. Era como se o choupo tivesse perdido toda sua magia.
Roy tinha uma sensação de que o espaço onde o caçador de crianças vivia não existia na árvore, e sim em outra dimensão. O poder necessário para manter ele lentamente desapareceu depois da sua morte, tornando impossível de o encontrar. Roy queria voltar e cortar a língua do monstro fora. Auckes disse que é valioso. Bem, não tem como eu pegar ela agora.
“Você encontrou alguma coisa?” Vivien saiu da casa, parecendo cansada e abatida. O irmão que ela esteve procurando pelos últimos dois anos estava morto, e ela nem conseguia lembrar-se dele. Todo o trabalho que fez foi em vão. “Você pode identificar eles?”
“Eu acho que não, o apagamento de memória é irreversível”. Quando Roy notou o olhar desanimado de Vivien, ele consolou-a. “Vivien, ele está livre da sua dor. Talvez agora ele esteja no reino do Profeta Lebioda. Nós vingamos ele, e, uh, encontramos seus ossos. Pelo menos ele pode descansar em paz agora. Ficar em paz.”
Vivien cobriu seu rosto, respirou fundo, e limpou suas lágrimas. “Eu acho que ele já estava morto quando eu vi as notas. Eu só não consegui aceitar. Você está certo, Roy, ele deve estar no reino do Profeta Lebioda agora. Eu vou encontrar um bom lugar para enterrar seus restos eternos”.
Depois de um minuto de silêncio, Roy disse, “Vamos mudar o tópico. Como o Tom está?”
Seus olhos brilharam com a menção do sobrevivente. “Ele tomou um banho quente, e eu esfreguei um pouco de pomada nele. E então, ele foi dormir. Ele é sortudo por ter escapado só com alguns arranhões e uma mordida no pescoço, ele nem se lembra de ter sido sequestrado. Tudo que ele lembra é que ele foi dormir, e quando acordou, viu vocês e o caçador de crianças. Ele vai ter pesadelos durante alguns dias, mas tirando isso, ele está bem”.
“Isso é ótimo.” Roy olhou para o céu. “Vamos conversar sobre o resto amanhã, eu tenho que ir agora”.
Cardell parou ele. “Espere, Roy. Onde você conseguiu a bomba que usou para matar o caçador de crianças?”
Roy notou o anseio em seus olhos, e ele entendeu que a Senhora Cardell estava tentando pôr as mãos na Estrela Dançante. “É uma bomba de alquimia feita por um bruxo. Apenas aqueles que foram ensinados por bruxos podem usar”, ele disse, mentindo. “É algo que o meu professor me deu para eu poder me proteger. Eu só tinha uma. Não posso usar mais”.
“Sério?” Cardell parecia desapontada.
…
Roy encontrou Toya ao lado do lago quando ele voltou para o moinho. Ela estava encarando seu reflexo na água, parecendo desolada e solitária. Roy pensou que ela teria sido devorada se tivesse estudado na Casa de Cardell.
Roy sentou do seu lado. “Me desculpe por me atrasar”.
Toya tremeu, e ela parecia agradavelmente surpresa. “E-Está tudo bem, eu entendo.” Disse com sua voz tremendo com excitação. “Você tem o seu trabalho no mercado, deve ter estado ocupado hoje.” Apesar de ter dito isso, Toya estava assustada. Ela estava preocupada que as últimas semanas foram só a sua imaginação. Quando ela notou que Roy não estava em casa na hora naquele dia, seu medo tomou conta dela, e ela se desesperou, mas felizmente, foi só um susto. Ele voltou, meu amigo é real. Seu corpo inteiro relaxou assim que ela se sentiu aliviada.
Roy abanou sua cabeça. “Não foi por causa do trabalho. Teve um incidente bizarro na Casa de Cardell. É relacionado ao tópico de magia que eu te disse antes, e também sobre as crianças solitárias. Você quer ouvir sobre?”
“Claro.”
…
Roy terminou a sua meditação às quatro da manhã seguinte e se livrou do cadáver careca antes de ir para o mercado de Aldersberg. A barraca de ervas que ele trabalhou nas últimas semanas esteve ali, e ele tinha uma conta para acertar com o dono. Mas quando ele se espremeu pela multidão, ele notou que o lugar estava deserto. Nem Tross ou a cabine podiam ser vistos. Não era nada além de um lugar vago.
Frustrado, ele foi até Emil em busca de respostas, mas ele não esperava que elas fossem tão chocantes.
“Tross? Eu pensei que ele tinha dito a você sobre isso. Ele saiu de Aldersberg com sua família e seu dinheiro depois dos negócios de ontem”.
“Ele saiu com a sua família? Ele esteve aqui já faz mais de 10 anos, e ele só vai largar tudo desse jeito?” Ele está com medo de mim? Mas eu só sou um jovem garoto. Impossível.
Emil pareceu surpreso. “O quê? Ele não esteve cuidando desse negócio por 10 anos, Roy. Quem te disse isso? Ele só está aqui há cerca de uns dois meses. Não muito mais do tempo que você esteve trabalhando, mas seu negócio estava crescendo, então eu me pergunto por que ele largou tudo”.
Quem é esse cara, então? Tross é um caloteiro profissional? Roy ponderou sobre a questão por um longo tempo, mas tudo que ele conseguia se lembrar era o sorriso astuto de Tross, e um calafrio rastejou sobre ele. Beleza, ele pode fugir se quiser. Como ele não podia trabalhar numa barraca inexistente, ele gastou mais tempo na manhã trabalhando na barraca de aves. Depois de matar o monstro debaixo da árvore, sua barra de EXP era 820/1000, cento e oitenta pontos para subir ao nível 3. Ele podia matar mais galinhas, talvez ele pudesse subir de nível em uma semana.
…
A Casa de Cardell estava calma como nunca nesta tarde. As crianças ainda estavam brincando debaixo do choupo, ignorando o fato de que o garoto solitário que esteve assistindo-os na porta da sala retornou. Talvez eles nem tenham percebido que ele desapareceu. A criança que foi ignorada continuou sendo ignorada. Nada mudou.
“Se junte a eles, Tom”. Roy fez carinho na sua cabeça. “Você conseguiu fugir de um monstro assustador e cavar o seu caminho de volta do inferno. Não tem nada para se ter medo. Você vai ter que lutar se quiser mais atenção e amigos. Parecer um idiota não vai ajudar. Só lute com qualquer um que tentar fazer bullying com você”. Roy empurrou o garoto surpreso para o grupo de crianças e assistiu enquanto ele corava tentando cumprimentar desajeitadamente os outros.
Cardell foi até ele quietamente. Ela não parecia muito bem, e a ferida da noite passada deixaria ela pra baixo por algum tempo. Ninguém sabia do buraco do choupo e do monstro dentro dele, pois ela manteve isso como um segredo. As crianças mortas não podiam ser lembradas, nem seus traços podiam ser recuperados. Não tinha motivo para levar isso ao público, como isso só iria criar suspeitas e problemas.
“Vivien e eu enterramos os restos num cemitério próximo essa manhã”. Cardell fez uma pausa. “E também, Roy, como você ajudou a escola e encontrou os restos do irmão de Vivien, junto das crianças, você tem a minha gratidão. Eu sei como os bruxos trabalham, então você vai ganhar a sua recompensa. O que acha de cem coroas?”
Cem coroas não eram o suficiente para cobrir o custo da Estrela Dançante, mas era isso que a escola podia pagar. “Isso não vai ser o suficiente.” Enquanto Roy olhava para as crianças brincando no jardim, algo mexeu com seu coração. “Eu vou trocar por uma refeição.”
“Então tome isso, Roy.” Vivien foi até ele quietamente e tirou o seu colar de prata. “Ele te dará sorte e a bênção dos deuses. Eu sei disso.” Ela colocou em volta de seu pescoço e deu a ele um olhar de gratidão.