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Damn Reincarnation – Capítulo 417

Aquilo (2)

A criatura era sinistra e ameaçadora, malévola por natureza.

Alphiero involuntariamente cerrou o punho e encarou para baixo.

O corredor lembrava uma serpente enrolada enquanto se estendia. Sombras se contorciam em seu âmago, lá no fundo.

— …

Alphiero sabia o que ‘aquilo’ era.

Três séculos atrás, ele fora Hamel do Extermínio. Ele já fora humano, mas não mais. Ele já fora um herói, mas não mais. Esta era uma existência que uma vez dedicara seu ser inteiro à grande causa de derrotar os Reis Demônios e salvar o mundo, mas agora, apenas vingança impulsionada por ódio e raiva restava em sua casca. Era um morto-vivo abandonado, despojado de seu propósito, honra e crenças.

Mas até mesmo isso já havia se perdido. Alphiero não sentia mais resquícios de um ‘morto-vivo’ nele. Ele estava… evoluindo para algo além de um simples morto-vivo.

Alphiero Lasat, o vampiro de idade avançada, sabia a causa dessa transformação. Depois de inicialmente ser ressuscitado como um Cavaleiro da Morte, ele perdeu sua forma física em uma batalha anterior. No entanto, ele não desapareceu. Em vez disso, retornou para Amelia Merwin como uma alma.

Amelia Merwin forneceu à alma remanescente um corpo temporário. Além disso, ela dotou a alma com vários aprimoramentos para uma fortificação adicional.

Se Amelia tivesse tempo e recursos suficientes sem ameaças imediatas, ela teria criado meticulosamente um novo corpo e explorado diversas maneiras de fortalecer a alma.

Mas as coisas não correram como planejado. Amelia Merwin se isolou em Ravesta para escapar dos inimigos ameaçadores, e o reino estéril e desolado da Destruição não lhe ofereceu nada do que ela desejava.

Assim, ela não teve escolha a não ser experimentar com o que estava disponível ali.

— Incrível… — Alphiero murmurou enquanto balançava a cabeça.

Agora, ‘aquilo’ não tinha mais forma física. A densa e imensa coagulação de poder negro tinha se fundido com sua alma e destruído o corpo temporário. Neste momento, até mesmo as impurezas dentro da alma haviam sido completamente integradas.

‘Aquilo’ era uma confluência de alma e poder negro.

Era assim que existia.

Alphiero sentiu seus punhos cerrados tremendo. Seus dedos cavaram em sua palma e enviaram uma dor aguda percorrendo sua mão. Alphiero ponderou sobre a emoção que estava sentindo. Ele então considerou se essa emoção era realmente justificada.

Isso era… inveja.

Um sorriso amargo se insinuou no rosto de Alphiero ao perceber isso.

Por séculos, ele havia servido ao Rei Demônio da Destruição.

Em Ravesta, embora Alphiero não fosse o mais antigo entre os súditos do Rei Demônio, ele estava confiante de que entre aqueles que existiam, ele era o mais devoto. Ele reverenciava o Rei Demônio da Destruição como os humanos reverenciavam seus deuses. Oferecia qualquer clã que desafiasse essa fé como sacrifício ao Rei Demônio.

Mas o Rei Demônio da Destruição era indiferente e insensível a seus súditos. Não importava o quanto eles implorassem ou adorassem, ele nunca respondia. Ele lhes concederia o poder negro que desejavam, mas… nada mais. Todo súdito da Destruição, uma vez iniciado, podia obter o poder negro que desejava.

Em outras palavras, o Rei Demônio da Destruição não diferenciava nenhum de seus súditos. Ninguém era especial. Não era diferente de obter o poder negro do Rei Demônio da Destruição. Cada um de seus súditos podia se valer de seu poder negro sinistro e potente, mas nenhum estava isento dos fardos. Numerosos súditos pereceram depois de não suportar o poder negro da Destruição. Era o mesmo para Alphiero. Se usasse esse poder demais, também começaria a se desintegrar em nada.

“Ele nem mesmo é um verdadeiro servo…” Alphiero pensou amargamente.

Nem aquela entidade nem sua mestra, Amelia Merwin, eram servos da Destruição. Amelia Merwin era uma súdita do Rei Demônio do Encarceramento, e a entidade havia sido ressuscitada como um Cavaleiro da Morte por ela e pelo poder negro do Rei Demônio do Encarceramento.

O poder da Destruição não tolerava o poder de outros Reis Demônios. Por isso, Amelia Merwin estava se desintegrando.

O mesmo destino deveria ter acometido aquela entidade. Apenas meses atrás, ela estava morrendo.

Mas em algum momento, a entidade começou a mudar, tornando-se algo que era tanto morto-vivo quanto não. Uma transformação aconteceu enquanto sua forma física se desintegrava e sua alma se misturava com o poder negro.

Era adaptação…? Ou evolução…? Uma coisa era certa: essa entidade estava mais próxima do Rei Demônio da Destruição do que Alphiero ou qualquer outro súdito da Destruição. E essa mudança era única, algo que Amelia Merwin não possuía.

Essa percepção fez Alphiero ferver de inveja. Uma entidade que um dia fora humana, um dia fora morto-vivo, agora havia ascendido a um status que nem ele nem os outros súditos poderiam alcançar…

Alphiero balançou a cabeça enquanto soltava um suspiro. Ele não conseguia se livrar da inveja, mas não podia abrigar raiva contra aquela entidade. Era a vontade do Rei Demônio da Destruição que ‘aquilo’ se transformasse em tal existência.

Alphiero saltou no meio da escada em espiral.

A descida não era longa, mas os momentos que levava para chegar ao chão pareciam longos e viscosos. Se alguém não fosse um súdito da Destruição, teria se desintegrado na metade do caminho.

Pousando no chão escuro, ele sentiu um fluxo de poder negro potente ao se aproximar da entidade.

— Você… está… vivo? — Alphiero não pôde deixar de perguntar.

Mas então, ele sorriu quando percebeu o absurdo de sua própria pergunta. Como poderia estar vivo quando era um vestígio do passado, para começar?

— …… — Não houve resposta.

Mas havia movimento na escuridão. Das profundezas das sombras, a entidade começou a se mostrar.

Alma e poder negro, ambos intangíveis e sem forma, misturavam-se para formar uma presença, lançando uma sombra distinta diferente da escuridão circundante. Era uma tonalidade nebulosa de cinza contrastando com a escuridão.

— Você… de novo… — Uma voz, crepitante e tensa, ecoou da massa cinzenta. Soava dolorida, mas havia um tom de zombaria. — Você veio… para dar àquela tola esperança… falsa?

Ele se referia a Hemoria. Embora Alphiero sentisse uma leve compaixão pela criatura quimérica, era superficial no máximo. Além disso, ele não podia negar que Hemoria era, de fato, uma tola.

— Falsa esperança, é? Você diz isso como se eu estivesse zombando dessa pobre criança. — Respondeu Alphiero.

— Heh… Heh… Não, você é… ainda pior. Alphiero… Lasat… seu mosquito irritante… Deixe-me perguntar claramente. O que você pretende ao fazer uso… dessa mulher… tola? — Perguntou a entidade.

— Você me entende mal. — Respondeu Alphiero enquanto se aproximava daquilo, uma vez Hamel do Extermínio. — Toda vez que venho a esta mansão, sempre a encontro.

Do ponto de vista de Alphiero, todos nesta mansão eram hóspedes indesejados, especialmente Amelia Merwin. Ela era mais do que irritante; ela era desprezível.

Uma híbrida de homem e demônio. Mesmo apesar de sua existência patética, ele poderia ter se aliado voluntariamente a ela se ela servisse ao Rei Demônio da Destruição. Mas Amelia havia deixado Ravesta para seguir seus próprios desejos. Mas quando o perigo se aproximava, ela imediatamente mudava de lado e fugia de volta para Ravesta.

Se o Rei Demônio do Encarceramento não estivesse por trás de Amelia… E como o Rei Demônio da Destruição não recusava visitantes como de costume, Alphiero não poderia confrontá-la diretamente.

Ele tinha que fazer Amelia sair por conta própria.

— Sua mestra parece… ter um carinho especial por seus animais de estimação. Alguns são deixados no quintal com coleiras, enquanto outros desfrutam de prazeres doces dentro do conforto da mansão. — Disse Alphiero.

Suas palavras eram uma provocação evidente. No entanto, o ser não expressou desprazer por ser chamado de animal de estimação. Ele ouvira tantos insultos assim antes.

Ainda assim, isso não significava que ele era indiferente. A criatura soltou uma risadinha seca enquanto escondia sua raiva.

— Prazeres doces… é?

Isso era um tormento pior do que a morte. Mais ainda, pois ele já experimentara a morte. Na vida, a morte era o fim, mas agora, aquilo existia além dessa finalidade. Para ele, não havia fim além da aniquilação.

Oblívio.

Este era um destino mais pesado que a morte. E ele não podia simplesmente desejar o oblívio para si mesmo. O fantasma tinha uma razão irrefutável e inegável para permanecer neste mundo.

Ele havia desistido de tudo: honra, fé, humanidade. Ele preenchera os vazios que deixaram com raiva, ódio e vingança.

No entanto… ele não havia alcançado nada.

No último momento, seus camaradas o traíram. Ele foi tornado inútil e incapaz de lutar. Ainda assim, ele avançou contra Belial, o Cajado do Encarceramento. Foi quando Sienna os bombardeou com sua magia. Os milagres de Anise cessaram de repente, e seu corpo dilacerado foi usado como escudo humano enquanto Moron avançava. E naquele momento final, a lâmina de Vermouth cortou tudo.

Ele queria perguntar a eles por que o traíram. Ele ouvira dizer que Moron tinha ressurgido nas terras distantes do norte. Ele ouvira dizer que Sienna tinha retornado depois de se esconder por séculos.

Antes de embarcar em sua cruel vingança, ele queria perguntar a eles… o motivo da traição. Ele absolutamente precisava.

Eles apenas lhe disseram mais cedo. Que ele não era mais necessário, que não era de ajuda e, em vez disso, era um fardo.

Se apenas…

“Eu posso servir de isca, não posso?”

Se tivesse ouvido a intenção deles antes, Hamel teria calmamente respondido assim afirmativamente. Sem fazer seus camaradas se sentirem desconfortáveis, sem recorrer à traição, Hamel teria voluntariamente encontrado seu fim servindo de isca.

— Ha… Haha. — O ser riu com um risinho rouco.

Essa era a razão pela qual ele não podia desaparecer, a razão pela qual se apegava a uma existência miserável e lamentável. Sempre que pensava sobre esse assunto, isso não apenas causava sentimentos terríveis e agonizantes, mas também reacendia as profundezas de suas emoções.

Ele sussurrou enquanto olhava intensamente para o rosto tênue de Alphiero.

— Você… está com inveja?

Ele podia ver as bochechas de Alphiero se contorcendo.

— Chega… dessa inveja transparente. Isso é… inapropriado. — Disse a criatura

Os lábios de Alphiero se curvaram, e suas presas afiadas foram expostas. Seu sentimento de hostilidade em relação ao ser era evidente.

Aquilo continuou sussurrando com um sorriso irônico: — Bem… você tem… motivos… para ter inveja. Seu… mestre… o Rei Demônio… curiosamente… gostou bastante… de mim.

Embora odiasse admitir, era verdade.

O Rei Demônio da Destruição favorecia aquilo. Este era o mesmo Rei Demônio que demonstrava a mesma indiferença para todos os seus súditos, ainda assim favorecia um mero espectro.

Uma mistura do poder negro da destruição e de sua alma? Isso era sequer plausível? A razão pela qual o espectro suportava um tormento tão terrível e não desaparecia não era apenas por causa de sua própria vontade. Em suma, o Rei Demônio da Destruição não permitia que ele desaparecesse.

Se ele não suportasse e desmoronasse, tudo estaria perdido. No entanto, o espectro suportava. Era verdade? Não, essa resistência não era nada menos que misericórdia concedida a ele pelo Rei Demônio da Destruição.

Misericórdia?

— …… — O ser não pensava assim.

Alphiero rangia suas presas até ameaçarem quebrar enquanto encarava o espectro. Ele já estava ciente do favoritismo do Rei Demônio da Destruição, mas ouvir isso de um ser moribundo mal capaz de falar era irritante.

— É inveja… Eu admito. — Disse Alphiero depois de acalmar sua raiva. Levou um momento, mas ele respirou fundo várias vezes e se abaixou em direção à massa de cinza retorcida.

Embora tentasse se concentrar intensamente, os limites entre o poder negro e a alma permaneceram invisíveis. Era uma massa sem qualquer distinção. Ele não conseguia acreditar que era possível ser… tão unificado….

— Por favor, responda minha pergunta. — Pediu Alphiero.

Ele tinha algo mais urgente para perguntar.

— Você… já ouviu uma revelação? — Continuou Alphiero.

O Rei Demônio da Destruição nunca deu uma revelação. Ele nunca mostrou seu rosto nem permitiu que sua voz fosse ouvida, nem mesmo durante a formação do pacto. Não importava se alguém fosse um demônio nascido em Ravesta ou os raros que se aventuravam de fora.

Não havia exceções. Havia um templo vazio. Se alguém fosse lá, se ajoelhasse e rezasse, um pacto com o Rei Demônio da Destruição seria forjado.

Isso era tudo.

— …… — O espectro não respondeu e permaneceu em silêncio.

Quantas vezes isso aconteceu?

Havia um lugar que parecia… vagamente familiar. Se ele estivesse vivo, teria descartado como um sonho. No entanto, os sonhos não eram mais um conceito para a forma atual do espectro.

Então, aquele lugar que ele avistara várias vezes, o que poderia ter sido? Era um vazio onde nada existia, e ainda assim, dentro dele, havia uma presença… uma sensação formigante.

— Não.

Almas, também, podiam sentir dor.

O espectro reprimiu um grito que ansiava por soltar enquanto respondia.

Poderia-se sequer começar a descrever aquele lugar e sua existência? O espectro não conseguia decifrar o que tinha visto, mas não tinha intenção de consultar Alphiero. Mesmo neste estado, ele tinha uma aversão a demônios, e a última coisa que queria era apaziguar Alphiero, um inimigo de sua vida anterior.

— É mesmo… — Alphiero revelou uma decepção evidente enquanto balançava a cabeça.

Com um suspiro curto, ele ergueu o olhar e encarou o abismo além.

Um corredor se estendia de onde estavam. Em sua extremidade estava Amelia Merwin. Alphiero veio a esta mansão para encontrar Amelia Merwin, não para conversar com o espectro.

— Pensando bem. — Alphiero começou a falar enquanto passava pelo ser. — O Rei Demônio da Fúria foi ressuscitado.

A criatura não conseguia compreender essas palavras. O Rei Demônio da Fúria. Era o mesmo Rei Demônio que tinham matado trezentos anos atrás. Durante os momentos mais gloriosos de sua existência humana, ele havia derrotado um Rei Demônio desses com seus companheiros.

Um Rei Demônio caído havia ressuscitado? O que isso poderia significar?

— Não precisa se alarmar. O Rei Demônio da Fúria encontrou sua ruína mais uma vez logo após a ressurreição. — Continuou Alphiero.

— O que… você está… dizendo…? — Disse o espectro.

— Eugene Lionheart. — Veio a resposta.

Aquilo detestava esse nome.

Sabendo disso, Alphiero continuou com um sorriso astuto:

— Ele, com a Espada Sagrada, pessoalmente finalizou o Rei Demônio. Assim como… seu ancestral, Vermouth Lionheart.

Tum.

Tum.

Tum.

No meio da história em desenvolvimento, o espectro ouviu um surdo ressoar. Era o som de um coração inexistente batendo.

Ele se viu ofegante por um fôlego que não precisava.

Várias imagens piscaram em um único momento. Ele se lembrou de enfrentar Eugene Lionheart, lutando com espadas contra ele. Ele se lembrou de como sua lâmina havia sido dominada e quando enfrentou a sensação desconcertante de uma força indomável enquanto desaparecia. Ele recordou o desespero que sentiu naquela época.

O que ele sentia agora era autoaversão.

—Eu…

Foram as palavras que ele pronunciara diante da derrota.

—Eu… perdi? Para você?

O espectro imaginou Eugene Lionheart.

Ele era um descendente distante de Vermouth, sem a aparência nem aura de Vermouth. Ainda assim, ele tinha o mesmo cabelo prateado e olhos dourados. Empunhava a Espada Sagrada, o Martelo da Aniquilação, e a Lança Demoníaca de forma diferente de Vermouth.

Seu estilo de luta havia lembrado o espectro de si mesmo. Eugene Lionheart empunhava as armas de uma maneira que o ser teria empunhado.

Isso fez o espectro desprezar ainda mais Vermouth. O traiçoeiro Vermouth havia passado suas técnicas para as próximas gerações. Foi verdadeiramente uma piada cruel.

— Grr

Uma raiva insaciável irrompeu dentro dele, ameaçando consumir sua alma e poder negro em sua totalidade. Alphiero notou o estado trêmulo do espectro enquanto avançava em direção à câmara de Amelia Merwin.

Deixado em solidão, o espectro estava vividamente consciente de seu coração acelerado. Sua alma, misturada com o poder negro, parecia flutuar em direção a um abismo obscuro.

—Você é…

Uma voz distante ecoou.

O espectro não conseguia reconhecer a quem pertencia a voz.

“Isso é…”

O espectro viu algo enquanto ondas de cinza coloriam sua consciência.

Embora não pudesse se aproximar, instintivamente, ele sabia.

Aquela entidade estava observando-o.

E seu olhar estava longe de ser amigável.

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