Uma nuvem de névoa se movia pela escuridão.
Deslizava por pequenas aberturas, contornando canos metálicos e paredes.
— Tá animada? — disse a voz de um homem abaixo da nuvem de névoa.
— Não sei — respondeu uma voz feminina. — Estou mais nervosa do que animada.
— Por quê? — perguntou o homem com uma risada calorosa.
— Porque nenhum de vocês me disse do que se trata isso! — respondeu a mulher, irritada. — Sempre que pergunto sobre essa ‘surpresa’, vocês são vagos e riem. Isso me deixa nervosa, tá?
— Ah, qual é — disse o cara, rindo. — Todos os funcionários passam por esse ritual. Nós também ficamos nervosos antes, mas depois ficamos felizes que tenha sido uma surpresa.
— Por quê? — perguntou a mulher.
— Porque ouvir sobre isso não chega nem perto de viver a experiência — respondeu o homem enigmaticamente.
— Ok — respondeu a mulher após alguns segundos desconfortáveis. — Isso também vale pra uma festa surpresa, mas duvido que as pessoas insistiriam tanto em manter segredo se o presenteado estivesse tão nervoso com tudo isso.
— Vai dar tudo certo — respondeu o cara com um revirar de olhos. — Já estamos quase lá. Você vai ver. Vai me agradecer por termos mantido a surpresa.
A nuvem de névoa viu os dois Extratores passando por uma porta que levava a uma escadaria.
Os dois entraram e desceram as escadas.
Um momento depois, luzes se acenderam, e os dois pararam em frente a uma porta.
Toc, toc, toc!
O homem bateu na porta e esperou.
— Pra onde leva essa porta? Nunca estive aqui — perguntou a mulher, olhando ao redor.
— Armazenamento — respondeu o homem.
— Por que a gente–
Então, a porta se abriu, revelando outra mulher.
— Chefe! — exclamou a mulher, surpresa. — O que está fazendo aqui?
A nova mulher sorriu. — Ora, por sua causa, é claro — respondeu com um sorriso.
— E-Eu não sabia que essa surpresa envolvia você, Chefe! — respondeu a mulher.
— Viu só? — acrescentou o homem com uma risada presunçosa. — Valeu ou não valeu a surpresa?
— Entrem — disse a Chefe com um aceno, afastando-se.
O homem e a mulher passaram pela porta, e a Chefe a fechou atrás deles.
A mulher se viu em uma grande área de armazenamento cheia dos mais diversos itens.
Enquanto ela observava ao redor, a Chefe caminhou até o fundo do depósito, passando por algumas Unidades de Contenção antigas e fora de uso.
Os outros dois seguiram a Chefe.
Eventualmente, a Chefe entrou em uma das Unidades de Contenção desativadas.
— O que estamos fazendo aqui? — sussurrou a mulher para o cara.
— Esse é nosso lugar mais sagrado — disse o homem. — É aqui que vamos realizar sua iniciação.
— Aqui dentro? — perguntou a mulher. — Achei que fariam isso num salão ou escritório, não num depósito qualquer.
— Pearly — respondeu o cara — nem tudo é o que parece. Todos os Fabricantes têm seus segredos, e conosco não é diferente. Só vem com a gente, tá?
Quando Pearly ouviu isso, voltou a ficar nervosa.
Aquilo foi um pouco agressivo demais para o gosto dela.
— E é por isso que nunca fiz de você um líder de equipe — comentou a Chefe com irritação. — Você não sabe lidar com pessoas em situações de estresse.
— Sim, Chefe. Desculpa, Chefe — respondeu o homem rapidamente em tom apologético.
— Chefe? — chamou Pearly.
— Sim? — respondeu a Chefe, parando no meio da Unidade de Contenção e olhando para trás.
— Por que estamos fazendo minha iniciação aqui? — perguntou Pearly.
A Chefe se agachou e colocou a mão no chão.
BANG!
No momento seguinte, ela empurrou o chão, e uma grande placa metálica se soltou.
DING!
A placa caiu cerca de cinquenta centímetros antes de aterrissar em alguma coisa.
As sobrancelhas de Pearly se ergueram em surpresa ao ver aquilo.
Uma passagem secreta?
— Porque — respondeu a Chefe enquanto empurrava a placa metálica para o lado — como membro pleno da Vandalize, você precisa conhecer nossa verdadeira face.
BANG!
A Chefe chutou o chão novamente, soltando outra placa metálica.
Dessa vez, a placa caiu quase três metros.
A Chefe olhou para o buraco escuro e tirou algo do bolso.
Era um cristal branco com um tipo de argila maleável na base.
A Chefe prendeu o cristal no teto abaixo do buraco, e momentos depois, ele começou a brilhar com uma luz intensa.
Agora, Pearly finalmente pôde ver o que havia abaixo dela.
Era uma pequena caverna!
— Depois da sua iniciação — disse a Chefe, apontando para o cristal de luz — você não vai mais precisar disso.
— Hã? — murmurou Pearly. — Espera, eu também vou receber meu próprio Véu das Trevas?
A Chefe assentiu com um sorriso. — Sim. Como membro pleno, você também terá acesso àquilo que nos torna excepcionais na Cidade da Marca Selvagem.
Pearly parecia empolgada, mas também nervosa.
O Véu das Trevas.
A tecnologia que dava aos Extratores mais poderosos da Vandalize a habilidade de viajar pela escuridão sem gastar muitos recursos.
A capacidade de atravessar a escuridão livremente era uma das habilidades mais úteis que se podia imaginar, e a Vandalize estava na vanguarda dessa arte.
Naturalmente, a Vandalize era extremamente sigilosa sobre o Véu das Trevas, e ninguém sabia como funcionava.
A Chefe e o homem pularam e aterrissaram na caverna.
Um momento depois, Pearly também pulou.
Ao aterrissar, deu de cara com uma porta aberta.
Os olhos de Pearly se arregalaram assim que viu aquela porta aberta.
Aquela não era uma porta qualquer.
Era a grande porta de uma Unidade de Contenção!
A porta usada para colocar Espectros dentro das Unidades de Contenção!
Uma Unidade de Contenção com a grande porta aberta poderia muito bem ser apenas uma sala.
— Por que estamos…
Pearly quis dizer algo, mas foi interrompida quando uma luz intensa explodiu no centro da Unidade de Contenção aberta, cegando-a.
Em pânico, ela se virou para sua Chefe e viu apenas um sorriso calmo e satisfeito em seu rosto.
Pearly rapidamente olhou de volta para a esfera de luz.
E então, seis asas brancas se estenderam a partir da esfera luminosa!
— Criança — falou uma voz calorosa.
DING!
A Barreira de Pearly se ativou e ficou vermelha, e vários avisos cobriram sua visão.
Pearly soube imediatamente o que aquilo significava.
Um Espectro poderoso com uma habilidade mental!
— Não tenha medo, criança — proclamou a esfera alada enquanto flutuava lentamente em direção a Pearly.
Pearly olhou para sua Chefe em completo horror antes de se virar para o homem.
Então, ambos caíram de joelhos em oração!
Pearly não queria acreditar, mas só havia uma explicação possível para aquilo!
Sua Chefe e o homem eram servos daquele Espectro!
BANG!
Pearly se virou e começou a correr em direção à saída.
BOOOOM!
O som ensurdecedor de um disparo ecoou por todo o subterrâneo.
Dois buracos surgiram na Barreira de Pearly.
A Chefe guardou a arma novamente.
Pearly sentiu todo o seu Zephyx deixá-la, e logo teve a sensação de que não conseguia mais respirar.
Sua Zetose foi interrompida!
No instante seguinte, Pearly desabou.
— Sempre assim — disse a Chefe com um suspiro. — Por que eles sempre resistem ao presente do Senhor?
O homem se levantou e se aproximou de Pearly.
No instante seguinte, ele retirou um frasco com líquido verde e despejou sobre Pearly.
A Zetose de Pearly recomeçou, mas ela ainda estava perigosamente baixa em Zephyx.
— Vamos lá — disse o homem com uma voz calma enquanto a erguia pelo braço. — Cumprimente o Senhor como se deve.
Pearly olhou com fraqueza para a esfera de luz que se aproximava.
— Não tenha medo, criança — falou a esfera. — Em breve, você fará parte da nossa família.
— Poder, luz e virtude. Isso é o que nos torna Vandalize — proclamou a esfera.
Pearly tentou pensar em alguma forma de escapar.
Ela não queria se tornar uma serva!
Mas, quanto mais olhava para a luz, mais acolhedora ela parecia.
Talvez não fosse tão ruim assim.
Afinal, a Chefe parecia tão feliz.
A esfera de luz parou bem diante de Pearly e, no segundo seguinte, a envolveu com suas asas.
Pearly sentiu calor.
Sentiu conforto.
Era tão suave.
Sentiu-se amada.
Estava tudo bem.
Tudo ficaria bem.
Depois de um tempo, ela abriu os olhos novamente, e quando olhou para a esfera alada, sentiu apenas amor e lealdade.
Aquele era o Senhor!
Aquele era o escolhido!
Ele transformaria o mundo em um paraíso!
Mas então…
— AAARGGHH!
Pearly começou a gritar de dor.
A luz que antes fluía para dentro dela agora saía de seu corpo.
Mais ainda, muito mais luz saía do que havia entrado!
Após alguns segundos, Pearly desabou, e quando já não havia mais luz para ser extraída, ela apenas olhou para o chão com uma expressão neutra.
— Agora você faz parte da nossa família — disse a esfera.
Pearly ergueu os olhos para a esfera.
Não sentia nada.
Nenhuma felicidade.
Nenhuma raiva.
Nenhuma tristeza.
Nenhum medo.
Nenhuma segurança.
Ela não sentia nada.
Bem, exceto por uma coisa.
Sentia saudade.
Saudade daquele abraço caloroso.
O abraço acolhedor de instantes atrás havia sido a coisa mais bonita que já experimentara, e comparado ao cinza que a cercava agora, era infinitamente melhor.
Ela ansiava por aquele abraço caloroso.
Esse era seu único desejo.