Assim que Nick explicou o que havia acontecido, a raiva de Steve desapareceu.
Foi como se um balde de água fria tivesse sido jogado sobre ele.
Seu sorriso raivoso deu lugar ao choque.
E então, se transformou em raiva novamente, mas, dessa vez, dirigida para si mesmo.
Ele sabia que tinha estragado tudo e se sentia o maior idiota do mundo.
— Desculpa — disse Steve em voz baixa. — Vamos voltar para a tutora. Você pode explicar os detalhes lá.
Nick não ficou surpreso com a reação de Steve.
Steve podia ter se esquecido de si por um momento, devido à pressão e incerteza ao seu redor, mas ainda era um adulto com décadas de experiência.
Ele conseguia enxergar que sua raiva era mal direcionada e que havia cometido um erro.
Nick estava com raiva?
Claro.
Um de seus companheiros de equipe havia revelado sua posição por pura idiotice, colocando-o em um perigo potencialmente letal.
No entanto, Nick também conseguia ver que Steve não fez aquilo de propósito.
Steve era um idiota?
Sim.
Steve tentava demais parecer impressionante?
Sim.
Steve queria matar Nick?
Não.
Ele apenas perdeu o controle.
Naturalmente, a raiva de Nick dizia para ele dar um bom soco em Steve.
É claro que um soco desses seria incrível e extremamente satisfatório.
Mas não era assim que adultos resolviam conflitos.
Era assim que adolescentes resolviam conflitos.
Nick passou por Steve, e as dez pessoas atrás dele o seguiram.
Ele deixou o torso no chão, e Steve o pegou um momento depois.
O núcleo do Espectro estava dentro do torso, mas já tinha se tornado fraco demais para usar sua habilidade.
Além disso, ele percebeu rapidamente que continuar resistindo levaria à própria morte.
Ele havia enxergado as mentes de muitas pessoas, e conseguia dizer que Nick o mataria se tornasse as coisas mais difíceis.
Por fim, ele sabia que sua habilidade não funcionaria em Nick.
Por quê?
A resposta era bem simples.
A Barreira de Nick.
A habilidade do Observador de Pássaros conseguia atravessar a maioria das Barreiras, mas a Barreira de Nick era avançada demais.
Assim que o Observador de Pássaros viu Nick, tentou puxá-lo para seu domínio, mas a Barreira de Nick se ativou imediatamente, e a habilidade foi interrompida.
Na verdade, as Barreiras dos outros três recrutas também bloqueariam a habilidade.
Embora as Barreiras deles não fossem tão boas quanto a de Nick, ainda eram vastamente superiores às Barreiras da maioria das pessoas que viviam na Cidade das Estradas do Interior.
Os quatro saíram da caverna enquanto as dez pessoas atrás deles começavam a recuperar lentamente a clareza mental.
Quatro delas estavam sob a névoa da demência há um dia, enquanto as outras já estavam ali havia anos.
Era um pouco difícil recobrar a consciência depois de uma experiência assim.
Mas esse não era o trabalho de Nick.
Algum tempo depois, o grupo chegou de volta ao Fabricante que havia designado a missão e encontrou Shirley ao lado do CEO.
Quando o CEO viu seu CEZ, parecia a personificação perfeita do alívio.
Ele quase chegou a desabar no chão.
Não havia dúvidas de que aquilo havia sido uma missão real, não uma artificial.
O grupo entregou os Extratores confusos ao CEO e se despediu.
Shirley já havia recolhido o pagamento.
Finalmente, o grupo deixou a Cidade das Estradas do Interior e parou em uma pedra aleatória a vários quilômetros de distância.
A unidade se reuniu diante de Shirley, que focou em Steve. — Relatório!
— Chegamos à Cidade das Estradas do Interior às…
Steve começou a recontar tudo que havia acontecido naquele dia, incluindo sua conversa com o CEO e as palavras exatas trocadas entre ele e sua equipe.
Ele também assumiu o erro que havia cometido e o relatou com precisão.
No fim, Shirley assentiu com uma expressão neutra. — Como você avaliaria seu desempenho?
— Zero — disse Steve.
— Por quê? — perguntou Shirley.
— Minha idiotice colocou um dos meus companheiros de equipe em perigo desnecessário — respondeu ele.
Shirley assentiu mais uma vez.
Então, ela se virou para Nick. — Como você avaliaria o desempenho dele? — perguntou.
Steve se preparou.
— Três de dez — disse Nick.
Isso surpreendeu Steve, e sua expressão séria deu lugar ao choque.
— Por quê? — perguntou Shirley.
— Embora nos conheçamos, nunca havíamos feito uma missão juntos — explicou Nick. — Ele não sabia que tipo de habilidade eu tenho ou se sou confiável em uma missão ou não. Ele pediu mais informações algumas vezes porque não tinha uma leitura clara sobre mim.
— Um erro foi que, em vez de confiar em mim, ele desconfiou. Outro erro foi não ter pedido mais informações ao solicitante. Não sabíamos o quão profunda era a caverna nem quantas pessoas estavam ao redor do Espectro.
— Ele me enviou sem nenhum plano de apoio e mandou localizar o Espectro. Ele não disse o que eu deveria fazer com essa informação. Naturalmente, a pior parte foi que sua voz me revelou e me colocou em perigo.
— No entanto, quando confrontado, ele aceitou a verdade e reconheceu seu erro. Cometeu um erro horrível, mas também fez algumas coisas corretamente. Além disso, não houve má intenção em suas ações.
— Portanto, três de dez. Ainda inaceitável, mas não horrivelmente atroz — explicou Nick com calma.
As palavras de Nick tiveram um efeito misto em Steve.
Por um lado, Steve se sentiu aliviado por Nick não tê-lo destruído completamente com críticas, mas, por outro, a avaliação fria e objetiva de Nick soava como nada além da verdade, sem qualquer traço de exagero.
Naturalmente, isso fazia o feedback doer ainda mais.
Shirley assentiu e se virou para Cynthia. — Como você avaliaria o desempenho dele?
— Um de dez — disse ela friamente, com os olhos semicerrados. — Colocar seus companheiros de equipe em risco é a pior coisa que se pode fazer como líder.
Então, Shirley se virou para Mendor.
Mendor apenas sorriu de forma constrangida enquanto coçava a parte de trás da cabeça. — Acho que os outros já disseram o suficiente.
Shirley apenas assentiu.
Era óbvio que Mendor não queria se envolver no drama.
Por fim, Shirley se virou para Steve. — Você ouviu. Você não teve um bom desempenho hoje.
Steve não respondeu.
— Tente fazer melhor da próxima vez.
Steve franziu o cenho. — Tutora, não tenho certeza se deveria haver uma próxima vez.
— O quê? — Shirley perguntou com um resmungo. — Você acredita que todo líder que coloca a vida de um de seus membros em risco nunca mais deveria liderar? Se isso fosse verdade, não sobraria nenhum líder.
Shirley se virou para Nick. — Você já colocou a vida de alguém em risco desnecessariamente?
Nick assentiu imediatamente.
Ele já havia feito isso muitas vezes.
Quando andava com sua equipe pela montanha antes de ser emboscado pelo Sequestrador.
Quando mandou Extratores mais fracos trabalharem com Espectros mais fortes.
— Erros acontecem — disse Shirley, voltando a olhar para Steve. — O importante é aprender com eles. Você é um recruta, não um executivo. Você está aqui para treinar. Cometer erros é mais perdoável na sua situação do que em qualquer outra.
— Encare isso como uma oportunidade de aprendizado.
Steve apenas assentiu com uma expressão carrancuda.
As coisas que Nick e Shirley haviam dito faziam sentido, mas isso não melhorava a sensação ardente de auto-ódio que rugia dentro de seu peito.
Ele havia deixado suas emoções tomarem conta, o que levou a um erro horrível.
Ele acreditava ser mais forte do que isso.
— Steve — disse Shirley com um tom diferente.
Steve levantou o olhar.
— Pode não ser da minha conta, mas estive em uma situação muito parecida com a sua no passado — Shirley falou com uma voz educada, firme, mas também gentil. — Se estiver disposto a falar sobre algumas coisas difíceis, sinta-se livre para me procurar no meu escritório.
— Estou aqui para ensinar todos vocês, e isso também inclui ensiná-los a lidar com questões pessoais.
Steve não parecia confortável. — Certo — respondeu.
Mas aquele ‘certo’ poderia muito bem ter sido um ‘não’.
Shirley fez o possível para conter um suspiro. — Vamos voltar!
A equipe assentiu, e todos começaram a jornada de volta à sede da Égide.
Shirley e Nick tinham experiência suficiente para enxergar os problemas de Steve.
Steve era uma pessoa excepcional.
Era extremamente forte, confiável e tinha uma força de vontade poderosa.
Era o único outro recruta que tinha pontos suficientes para trabalhar com o Monte de Ossos.
Mas não era assim que ele se via.
Em sua mente, via apenas suas falhas.
Ele não era bom o bastante.
Nunca era bom o bastante.
Tentava provar para si mesmo e para o mundo que era bom o bastante.
E, por causa disso, colocava padrões absurdamente altos sobre si mesmo.
Na maior parte do tempo, agia de forma perfeita.
Mas, quando cometia um pequeno erro, tudo desmoronava, e ele se sentia a pessoa mais inútil do mundo.
Shirley já estivera em uma situação parecida.
Devido ao seu nome extremamente feminino e seu porte minúsculo, ela frequentemente enfrentava dificuldades para estabelecer autoridade em grupo.
Mas, ao contrário de Steve, ela já havia aprendido a lidar com seus problemas.