Como Nick poderia provar que não estava mentindo?!
Ele não tinha uma Barreira.
Ele não tinha Zephyx humano.
Não havia outras pessoas por perto que conheciam Nick.
— Você só precisa perguntar à Égide — Nick disse com a voz cuidadosa. — Diga a eles que encontrou Nick Dusk. Eles me viram sendo levado pela Boca.
A mulher não parecia acreditar em Nick e apenas continuava olhando para ele com uma expressão séria.
— Tudo bem, eu vou fazer isso — ela disse. — Não acredito que esteja dizendo a verdade, mas estou disposta a tentar, pelo menos.
Nick não se acalmou.
Ele conseguia ouvir que ela estava prestes a adicionar um ‘mas’.
— Mas não posso deixar um Espectro andando por aí assim. Se vier pacificamente, vou perguntar à Égide sobre você — ela disse.
Nick ficou mais nervoso.
Vir pacificamente?
“Ela vai me colocar em uma Unidade de Contenção”, Nick pensou.
No passado, Unidades de Contenção eram interessantes para Nick, e ele também as associava ao crescimento. Afinal, Nick ficou mais poderoso enquanto trabalhava com Espectros que estavam dentro de Unidades de Contenção.
Mas agora, as coisas eram bem diferentes.
Se Nick fosse colocado em uma Unidade de Contenção, nunca sairia de lá.
Se essa Heroína simplesmente o largasse numa Unidade de Contenção qualquer em uma cidade qualquer, ninguém da Égide seria capaz de encontrá-lo.
A Égide não sabia que Nick agora era um Espectro, o que significava que não pediriam às cidades para verificarem suas Unidades de Contenção em busca de alguém chamado Nick Dusk.
Além disso, provavelmente haveria dezenas de Espectros que alegariam ser Nick Dusk de qualquer forma.
Entrar voluntariamente em uma Unidade de Contenção representava perder o controle sobre sua própria vida.
A única coisa na qual ele poderia confiar seriam as palavras da Heroína, e humanos, no geral, não eram os seres mais confiáveis.
Especialmente quando eram poderosos.
— Não posso apostar minha vida apenas na sua palavra — Nick disse. — Se eu for colocado em uma Unidade de Contenção, não há como a Égide me encontrar.
A Heroína franziu a testa. — Eu disse que vou avisá-los. Está me chamando de mentirosa? — ela perguntou, irritada.
— Eu não sei se você é mentirosa ou não — Nick respondeu. — Não sei nada sobre você. Se eu fosse humano, você colocaria sua vida nas minhas mãos só porque eu digo que não vou te matar?
Ela não respondeu de imediato.
— Mas você não é humano — ela disse após um tempo. — Você é um Espectro, e Espectros só se importam com o próprio benefício.
— Tipo a maioria dos humanos? — Nick perguntou.
— Errado! — a mulher gritou, a voz mais irritada que antes. — Existem muitos humanos poderosos que querem melhorar a humanidade!
— Há alguns humanos que agem como Espectros, mas os humanos mais poderosos só querem o melhor para a humanidade!
— A existência da Égide contradiz a sua afirmação.
Nick sentiu uma sensação estranha.
A maneira como a Heroína argumentava o fazia lembrar de si mesmo.
Aquilo soava muito com o que ele costumava dizer.
Mas ela estava errada?
Não.
O que ela disse era verdade.
Embora muitos humanos fossem gananciosos, os humanos também tinham capacidade para o bem.
Como ela disse, a existência da Égide era a melhor prova disso.
— Você é uma Oficial de Justiça? — Nick perguntou. — Fala como alguém que passou pelo programa recruta.
A expressão da Heroína se intensificou. — O que você sabe sobre o programa recruta?
— Muito — Nick disse. — Eu fazia parte dele até alguns anos atrás.
Depois disso, Nick contou a ela sobre os Espectros, os níveis, a experiência prática, e assim por diante.
A Heroína o observava intensamente, e Nick não conseguia ter certeza do que ela estava pensando.
— Que tal isso? — Nick disse após não receber resposta dela ao final da história. — Eu vou te seguir até a cidade mais próxima. Vou esperar do lado de fora. Você entra em contato com a Égide e pega uma nova Barreira. Aí eu te digo o que você precisa procurar para provar minha identidade, certo?
Ela olhou para Nick por mais um tempo.
— O que você ganha com isso? — ela perguntou.
— Como assim, o que eu ganho com isso? — Nick perguntou, um pouco irritado.
— O que você ganha ao me fazer fazer todas essas coisas? Qual é seu plano? — ela perguntou.
— Eu já disse — Nick falou. — Quero entrar em contato com o Técnico para que possamos descobrir o que está acontecendo e encontrar uma solução.
A mulher balançou a cabeça. — Mesmo que eu assumisse que está dizendo a verdade, não consigo ver sentido em fazer nada disso.
Nick permaneceu em silêncio, olhando com confusa irritação para a Heroína, que continuava falando.
— Supondo que tenha dito a verdade, você costumava ser humano — ela disse. — Mas não é mais. Agora você é um Espectro.
— Você não é aliado da humanidade. Você é inimigo da humanidade.
— Ajudar a humanidade seria o mesmo que se ferir, e a única coisa que Espectros não estão dispostos a fazer é se ferir.
— O que você está dizendo não faz sentido — ela explicou.
— Eu não sou inimigo da humanidade — Nick disse com um tom severo. — Eu quero ajudar a humanidade!
— Por quê? — ela perguntou.
— Por quê? — Nick repetiu.
— Sim, por quê — ela repetiu de volta.
Silêncio.
A primeira resposta de Nick seria que ele era humano, mas ele rapidamente percebeu que isso já não era mais verdade.
Naturalmente, Nick ainda sabia que queria ajudar a humanidade, mas não era fácil encontrar as palavras certas para explicar por quê.
— Porque cometi coisas horríveis no meu passado e quero me redimir — Nick disse, com menos firmeza na voz.
— E o que isso tem a ver com a humanidade? — ela perguntou. — Busque redenção com as pessoas que você prejudicou.
— Todas estão mortas — Nick respondeu. — Não posso mais pedir perdão a elas, e mesmo se pudesse, elas não me perdoariam. A única coisa que posso fazer é ajudar outras pessoas até que o bem que eu fizer pese muito mais que o mal.
A Heroína apenas continuou olhando para Nick de maneira neutra por alguns segundos.
— E é por isso que você quer ajudar a humanidade? — ela perguntou.
Nick assentiu. — Sim.
A Heroína balançou a cabeça e suspirou.
Era quase como se estivesse decepcionada.
— Pensar que por um segundo eu realmente acreditei em você.
Uma sensação de presságio surgiu dentro de Nick.
— Mas isso prova tudo. Você é um Espectro.
Nick queria retrucar, mas a mulher não deixou e continuou falando.
— Vocês, Espectros, não conseguem entender o que significa ser humano. Todos vocês só pensam em si mesmos. Não têm nenhuma experiência com o que significa ser altruísta.
— Eu perguntei por que você queria ajudar a humanidade, e a única coisa que conseguiu dizer foi algo egoísta.
— Você só quer ajudar a humanidade para se sentir melhor consigo mesmo.
— A maneira como você descreve essas coisas é como alguém que sabe do que está falando, mas nunca viveu aquilo.
— Por quê? Porque você é um Espectro, e não sabe como é quando alguém quer ajudar os outros. Você só pensa em si mesmo.
Naquele momento, um sorriso sarcástico surgiu em seu rosto.
Parecia que ela estava se repreendendo internamente por ter sido ingênua o bastante para acreditar nesse Espectro, mesmo que por um segundo.
Nick ficou cada vez mais frustrado.
“O que diabos ela tá falando?!” ele pensou. “Se eu fosse usar a lógica dela, toda pessoa no mundo seria egoísta. As pessoas buscam felicidade, e parte disso é viver com o menor peso de culpa ou arrependimento possível!”
“Pela lógica dela, pedir desculpas a alguém que você feriu depois de perder o controle das emoções seria algo inerentemente egoísta e desumano!”
“Também seria egoísmo ajudar um mendigo na rua só porque você quer se livrar do sentimento de pena!”
“Que merda é essa?!”
— Segundo a sua lógica, uma pessoa…
— Aí está! — a Heroína gritou, interrompendo Nick. — Lógica. Você está falando de lógica de novo. Isso é sobre emoções!
Nick ficou ainda mais frustrado, mas também mais apreensivo.
Aquela Heroína era sua melhor chance de se conectar com a Égide, mas ela continuava dizendo que Nick não sabia o que significava ser humano.
SHING!
Naquele momento, a Heroína desapareceu de repente.
DING!
Nick imediatamente explodiu em luz, já que estava óbvio que a Heroína estava prestes a lançar um ataque.
Num instante, Nick se tornou etéreo e se moveu rapidamente para a direita.
Pela primeira vez em muito tempo, sua habilidade estava ativa novamente.
Ao mesmo tempo, a nova sensibilidade de seus sentidos aumentou, e ele viu os quilômetros ao redor com extrema nitidez.
Foi quando os olhos de Nick se arregalaram em surpresa.
Ele sentiu um traço muito tênue de Zephyx a cerca de cinco quilômetros de distância, e estava desaparecendo!
“Ela fugiu?” Nick pensou.
Foi então que ele percebeu que aquilo fazia muito sentido.
Ela sabia que Nick não era fraco e que havia até matado um Herói.
Ela não lutaria contra Nick…
Pelo menos não sem uma Barreira.
Mesmo após vários segundos, a habilidade de Nick não foi desativada.
Ninguém o estava percebendo.
Ela tinha partido.
Ela havia fugido.
E agora, Nick estava sozinho.
Em algum lugar do mundo.
Sem uma Barreira.
E sem nenhuma maneira de provar que era humano…
Ou que já havia sido.