A caravana entrou na Cidade da Mina Negra.
Uma das pessoas na grande carroça olhava ao redor com os olhos bem abertos de admiração.
— Impressionante, não é? — perguntou uma jovem sentada em uma grande cadeira, com um sorriso de canto de boca.
— Ah, sim, senhorita! — respondeu respeitosamente o jovem.
A jovem girou um pequeno cachimbo entre os dedos por um momento antes de apontar para o ‘céu’ branco.
— A luz brilha de todos os pontos do teto — disse ela, antes de apontar para debaixo do garoto. — E como os humanos não são grandes o suficiente para bloquear toda a luz, não projetamos sombras aqui.
O garoto olhou para os próprios pés e viu, surpreso, que não havia sombra sob ele.
Normalmente, o Sol projetava uma pequena sombra em volta de todos, mas não ali.
O jovem olhou ao redor, e logo seu olhar caiu sobre as paredes negras da montanha.
— Senhorita, por que não há luz vindo das paredes? — perguntou ele.
Um dos homens ao lado da jovem na grande cadeira franziu a testa.
Já era uma honra a senhorita estar disposta a conversar com aquele novato.
O garoto notou o olhar do homem e abaixou a cabeça, envergonhado.
No entanto, a senhorita começou a rir um pouco. — A luz nos protege dos Espectros, mas luz demais deixa todos loucos.
WHOOOM!
De repente, o jovem foi cercado por uma luz intensamente brilhante.
Levantou-se em pânico, mas logo percebeu que não estava sendo atacado.
Em vez disso, apenas olhou ao redor.
Tudo ao redor era branco, e era difícil enxergar qualquer coisa.
— Você sente o estresse? — perguntou a garota.
— Sim, senhorita — respondeu o garoto, com os olhos semicerrados. — A luz dificulta enxergar ao redor.
A garota dissipou a luz, e o garoto soltou um suspiro.
Era realmente opressor e estressante quando tanta luz vinha de todos os lugares ao redor dele.
O garoto também olhou para todos os edifícios negros e quis perguntar de que material eram feitos, mas um olhar severo de seu mentor o impediu.
No momento seguinte, o garoto focou nas diversas cavernas nas bordas da cidade gigantesca, e logo notou algo interessante.
As pessoas que entravam e saíam pelos portões luxuosos das cavernas estavam muito bem vestidas, enquanto a maioria das pessoas na cidade vestia-se mal.
Parecia que a elite da cidade vivia nas bordas, enquanto os camponeses viviam no centro.
Isso era o oposto da maioria das outras cidades.
Normalmente, a elite preferia viver no centro por questões de segurança, enquanto os pobres viviam nas bordas.
Embora, ali, segurança provavelmente não fosse um grande problema.
O garoto já tinha visitado algumas cidades até então, e tinha certeza de que nenhuma delas era tão segura quanto aquela.
Havia pouquíssimas entradas, e as poucas que existiam eram extremamente fortificadas.
Além disso, o garoto notou que a maioria das pessoas que vivia perto do centro da cidade era desnutrida e baixa.
Ele já havia visto pessoas desnutridas em todas as cidades que visitara até então, mas não tinha certeza se já tinha visto tantas assim em uma única cidade.
Surpreendentemente, suas roupas não estavam muito danificadas e, na verdade, até bastante limpas.
Ainda assim, a maioria das pessoas era magérrima e basicamente apenas andava por aí como zumbis.
O garoto também notou que muitos dos Extratores e pessoas ricas comiam algum tipo de alimento preto, e ficou curioso sobre o que era.
A caravana viajou até uma das paredes da montanha e continuou subindo por uma rampa em direção a um nível mais alto de cavernas.
O garoto observava com interesse enquanto cada vez mais da cidade se tornava visível.
Crksh.
O garoto ouviu o som sutil de alguém mordendo algo crocante e olhou para o lado da caravana.
Um dos guardas que os acompanhavam acabara de tirar um dos bastões pretos e mordeu um pedaço.
— Ei, o que você está comendo? — perguntou o garoto, espiando por cima da borda da caravana em direção ao guarda.
O guarda olhou ao redor, confuso.
— Aqui em cima — disse o garoto, e o guarda olhou para cima, finalmente o notando.
— Isso? — perguntou o guarda, apontando para o bastão preto em sua mão.
— Isso mesmo — disse o garoto, assentindo algumas vezes.
— É chocolate preto — disse o guarda. — É a comida mais deliciosa que existe!
Então, o guarda arrancou um pequeno pedaço e o estendeu para o garoto. — Quer experimentar?
O garoto olhou com interesse para o pedaço oferecido e esticou a mão em direção a ele.
Yoink!
Mas então, uma mão surgiu por trás do garoto, agarrou sua gola e o puxou para trás.
No momento seguinte, o mentor do garoto espiou por cima da lateral da carroça e olhou para o guarda. — Preciso me desculpar pela grosseria do garoto. Nossa caravana se orgulha de um comércio puro e honesto, e é contra nossa política aceitar qualquer coisa sem oferecer algo em troca. Consideraremos comprar um pedaço de uma fonte oficial mais tarde. Obrigado pela compreensão.
— Ah, sim, claro — disse o guarda, puxando o pedaço de volta. — Espero não ter causado problemas ao garoto. Só queria ajudá-lo um pouco.
— Está tudo bem. Não precisa se preocupar — disse o mentor.
Então, o mentor voltou-se novamente para o centro da carroça e lançou um olhar severo ao garoto, que olhava para baixo, envergonhado.
— Regra número dois — disse o mentor, com firmeza.
O garoto respirou fundo. — Não permitir que o exterior entre no interior — recitou o garoto.
— Explique o propósito por trás da regra dois — ordenou o mentor.
— Qualquer e toda influência externa, sejam pessoas, Espectros ou objetos, pode ser potencialmente perigosa para a caravana. Nada é permitido atravessar o véu entre o exterior e o interior sem permissão explícita de um dos três administradores — disse o garoto.
— Por que tentou quebrar essa regra? — perguntou o mentor.
O garoto quis argumentar.
Como aquilo seria quebrar a regra?
Era só um pedaço de chocolate.
— Achei que não seria perigoso — disse o garoto. — É só um pedaço de chocolate, e a cidade inteira come o chocolate sem problema nenhum. Parecia seguro.
— Seguir o que a maioria faz leva a uma cova precoce — disse o mentor. — Se seguir a maioria, acabará fazendo parte dela.
Então, o mentor apontou para as carcaças vagando pela cidade.
— Esta é a maioria.
O garoto olhou em silêncio para a cidade.
Logo, um sentimento de culpa surgiu em seu coração.
— Tome cuidado com o exterior — disse o mentor. — E tome cuidado especialmente com esse tal chocolate.
O garoto olhou para o mentor. — O chocolate é ruim?
— Parece ruim? — perguntou o mentor.
O garoto olhou ao redor de novo.
Viu várias pessoas comendo, e todas pareciam bastante fortes e ricas.
— Não — disse o garoto.
— Nem um pouco? — perguntou o mentor.
O garoto olhou ao redor de novo.
Não, todos pareciam saudáveis.
O garoto balançou a cabeça.
— Verdade do mundo: Número um — ordenou o mentor.
— Não existe benefício sem um custo associado — recitou o garoto.
— Você vê algum custo? — perguntou o mentor.
O garoto olhou ao redor.
— Não, tudo parece bem.
Então, o garoto suspirou ao perceber algo.
Sem hesitação, recitou outra regra. — Quando não há custo, o custo é especialmente alto.
— Correto — disse o mentor. — Quando não há custo, o custo é especialmente alto. Sempre há um custo, e quando você não o vê, significa que alguém ou alguma coisa está tentando escondê-lo de você.
O garoto apenas assentiu.
Então, olhou para alguns dos Extratores que conseguia ver.
Quase metade deles estava comendo aquele chocolate preto.
— Qual é o custo desse chocolate? — perguntou o garoto ao mentor.
O mentor franziu a testa enquanto olhava para uma direção aleatória.
— É melhor que você não saiba — disse o mentor com uma voz profunda.
O garoto piscou algumas vezes. — Por quê?
O mentor suspirou. — Só… não quebre as regras, tudo bem?
O garoto ficou surpreso com a repentina gentileza do mentor.
— Não pergunte sobre o chocolate de novo — disse uma voz doce atrás do garoto.
O garoto se virou e olhou para a senhorita, chocado.
— Sim, senhorita — disse o garoto respeitosamente.
O mentor olhou para o garoto por um momento, mas no fim, suspirou outra vez.
Estava com a caravana há décadas, e ainda assim às vezes não era fácil aceitar essa vida.
Eles viajavam pelas regiões ocidentais do Grande Continente, e havia várias cidades com atividade evidente de Espectros.
Mais ainda, quase todas essas cidades seguiam um padrão semelhante.
Uma parte da população consumia sem parar, enquanto a outra parte passava fome.
Sua senhorita era poderosa o suficiente para lutar contra uma cidade, mas esse era o limite de seu poder.
Se fosse apenas uma cidade, talvez fizessem algo.
Mas o fato de isso envolver várias cidades significava que o inimigo era muito poderoso.
Pelo que a senhorita dissera uma vez, ela sabia quem era seu inimigo, mas nunca contou ao mentor.
De repente, a garota virou-se para a direita e soltou uma risadinha.
“Finalmente decidiu se mexer?”, pensou com um sorriso de canto. “Será que essa cidade vai mudar de verdade?”
— Senhorita? — perguntou o mentor, olhando para ela, confuso.
Não sabia por que ela tinha rido de repente.
— Não é nada — disse ela.
— É só que um convidado acabou de nos deixar.