— Comida.
— Isso não é comida — disse a pessoa parada diante da nuvem.
— Olha, comida — transmitiu a nuvem enevoada, aparentemente apontando para o caranguejo em dissolução ao seu lado.
— Isso não é comida. Isso não é um humano — respondeu o homem, com os olhos semicerrados. — Como isso parece um humano pra você? Tem três metros de altura, é tão largo quanto, é laranja e tem seis garras enormes. Nem sequer possui Zephyx humano.
— Humano grande. Humano pequeno. Zephyx humano. Comida humana. Tudo comida — respondeu a nuvem.
Se o humano fosse de fato um humano, ele estaria morrendo de frustração e raiva.
Essa era a quarta vez que essa nuvem idiota matava um Espectro que não deveria matar.
O único motivo de as coisas terem chegado a esse ponto era porque ela também havia matado dois Espectros que deveria matar.
Então, não era completamente inútil.
Era uma arma que havia se mostrado eficaz contra inimigos, mas com uma possibilidade absurdamente alta de falha.
Essa nuvem era idiota do jeito mais idiota possível.
Era tão idiota que entender sua lógica era quase impossível devido à sua natureza absurda.
Uma pessoa muito inteligente poderia acreditar que um Espectro disfarçado era um Espectro por causa de uma lista de coisas suspeitas.
Uma pessoa inteligente poderia acreditar que o mesmo Espectro disfarçado era um humano por cair em alguns enganos sutis e bem elaborados.
Uma pessoa normal poderia acreditar que o mesmo Espectro disfarçado era um Espectro porque não notou a sutileza das ameaças e apenas se baseou no que viu sem questionar.
Uma pessoa burra poderia acreditar que o mesmo Espectro disfarçado era um humano, já que nem sequer questionava nada.
Uma pessoa ainda mais burra poderia acreditar que o mesmo Espectro disfarçado era um Espectro, pois ele parecia esquisito demais pra ser um humano.
Uma pessoa AINDA MAIS BURRA poderia acreditar que o mesmo Espectro disfarçado era um humano porque Espectros não existiam, e ela nunca havia visto um antes.
Às vezes, as coisas simplesmente alternavam entre um e zero com base na inteligência.
No caso dessa nuvem, ela parecia sempre entender mal algo de um jeito que prejudicava os esforços de Orgulho.
Sempre havia algum motivo idiota, mas compreensível, para a nuvem continuar fazendo algo que qualquer Espectro com meia inteligência consideraria absolutamente estúpido.
Aquele humano forte ali? Era obviamente um Espectro, já que parecia frio e irritado.
Aquele Espectro? É, parecia um humano. Então, era um humano.
A nuvem precisava matar um humano grande, alto e forte? Aquele caranguejo era grande, alto e forte, e com certeza podia ser um humano disfarçado.
Além disso, quanto mais o Espectro humano tentava interrogar a nuvem sobre suas decisões, mais a nuvem parecia irritada por ter que ficar explicando tudo ao Espectro humano.
Essas coisas eram óbvias!
Naturalmente, como esse Espectro humano ficava fazendo perguntas idiotas com respostas óbvias, a nuvem parou de se esforçar para explicar qualquer coisa.
Estava claro que o Espectro humano jamais conseguiria entender a mente brilhante da nuvem com seus planos de longo alcance.
A nuvem já estava pensando na comida que iria consumir dentro de alguns minutos, enquanto o Espectro humano obviamente só pensava no presente.
A nuvem continuava tentando explicar ao Espectro humano que o caranguejo era um humano, mas o Espectro humano simplesmente não conseguia entender esse fato simples.
Que idiota.
— Ficar nesta cidade agora é arriscado demais — transmitiu o Espectro humano para a nuvem, num tom uniforme. — A morte do Espectro suprimido mais forte da cidade vai causar um caos. A receita vai cair bastante, e o tributo da Égide vai diminuir, o que vai gerar uma investigação. Mesmo que fiquemos aqui, não conseguiremos manter nossa fachada sob investigação.
O Espectro humano sentiu como se a nuvem estivesse balançando a cabeça em irritação.
Esse maldito Espectro humano idiota.
É claro que a morte de um humano forte atrairia humanos ainda mais fortes.
Será que esse imbecil não percebeu que isso aconteceria antes de dar à nuvem a ordem idiota de matar o humano de muitas mãos?
O Espectro humano basicamente conseguia ler os pensamentos da nuvem só de olhar pra ela, já que ela havia adotado a linguagem corporal humana bem rápido depois de passar um tempo dentro das cidades.
No entanto, a única coisa que o Espectro ‘sentia’ era uma leve pontada de irritação por não poder extrair Zephyx daquele lugar agora e por precisar solicitar outra missão.
Naturalmente, também estava avaliando suas opções para o futuro.
Havia a possibilidade de que Orgulho culpasse o Espectro humano pelas ações da nuvem, já que a nuvem era ridiculamente estúpida.
Será que Orgulho acreditaria que o Espectro humano estava se rebelando, ou lidaria com a nuvem?
O desfecho era incerto, e o Espectro humano ponderava suas opções.
Fugir e correr o risco de ser caçado e morto por um dos servos de Orgulho, ou esperar que Orgulho acreditasse que a nuvem estava causando mais danos do que ajudando?
No fim, o Espectro humano concluiu que ‘confiar’ em Orgulho mais uma vez valeria a pena.
No entanto, se tivesse que continuar cuidando daquela maldita nuvem idiota, simplesmente diria para ela ir a uma cidade aleatória e sumir em segredo.
O melhor cenário seria que a nuvem fosse enviada para outro Espectro, enquanto o Espectro humano pudesse entrar em outra cidade.
— Siga-me — disse o Espectro humano enquanto seu corpo se tornava translúcido antes de atravessar as paredes enferrujadas do cômodo.
A nuvem apenas seguiu o Espectro humano.
Os dois deixaram silenciosamente a cidade onde haviam permanecido pelos últimos dias e voaram em direção a uma caverna isolada no meio do ermo.
Flutuaram por meio da escuridão isolada e de paredes finas até alcançar uma sala secreta com um Grande Retransmissor.
O Espectro humano ativou o Grande Retransmissor, e a figura arrogante de Orgulho apareceu diante dele.
— Relatório — ordenou Orgulho friamente.
— Ela matou o Espectro mais forte da cidade quando eu disse para matar um humano alto e forte, que era servo da Inveja. O Espectro era alto e forte, o que levou a uma identificação equivocada. Tinha a forma de um grande caranguejo — explicou o Espectro humano.
Orgulho permaneceu em silêncio por um tempo.
Então, virou-se para olhar a nuvem.
— O que você matou? — ela perguntou.
— Humano grande, alto e forte.
— Quantos braços o humano tinha? — ela perguntou.
— Mais de quatro.
— Por que achou que era um humano? — perguntou Orgulho.
Naquele momento, Orgulho teve a sensação de que a nuvem suspirou de exasperação.
— Humano grande. Humano pequeno. Zephyx humano. Comida humana. Tudo comida — explicou a nuvem.
Mas dessa vez, a nuvem não havia terminado de falar.
Aparentemente, gesticulou na direção do Espectro humano. — Ele chefe. Ele manda matar humano grande. Humano grande morto. Ele reclama. Ele burro. Ele…
Mas então, a nuvem pareceu congelar.
A nuvem parou de ‘falar’ e olhou de um lado para o outro entre Orgulho e o Espectro humano.
A linguagem corporal da nuvem era tão clara que Orgulho conseguia basicamente ler sua mente.
Orgulho forte.
Espectro humano fraco.
Orgulho Espectro humano.
Espectro humano Orgulho.
Orgulho forte.
Espectro humano fraco.
…
Espectro humano não é Orgulho?
Espectro humano mentir?
Espectro humano fraco!
Espectro humano Espectro?
Espectro humano parece humano!
Espectro humano não é Espectro!
Espectro humano humano!
Humano traidor!
Comida humana!
BANG!
Uma explosão de luz.
— PARE! — gritou Orgulho com toda a sua autoridade.
— O quê? — perguntou a nuvem, confusa, com uma transmissão, enquanto o Espectro humano desabava e se transformava em poeira negra.
A nuvem já havia matado o Espectro humano.
Orgulho lançou um olhar fulminante para a nuvem confusa.
Naturalmente, Orgulho já estava desconfiada do Espectro humano.
Talvez um dos outros Corruptores estivesse jogando sujo.
Ou talvez ele não fosse um Espectro inteligente comum, mas um Espectro inteligente com um estado mental alterado.
Havia algumas possibilidades.
Afinal, quais eram as chances de um Espectro burro entender tudo errado o tempo todo?
Normalmente, Espectros burros faziam exatamente o que lhes era mandado.
Mas esse em particular parecia ser diferente.
Era algo muito estranho.
Espectros realmente burros agiam por instinto, como animais selvagens, mas aquele agia como se tivesse uma consciência parcialmente formada.
Algo assim não era inédito.
No entanto, isso colocava a nuvem em uma categoria única de inutilidade.
Era inteligente o bastante para pensar, mas tão burra que pensar quase sempre levava a pensar demais, o que levava a tomar a decisão errada.
Por exemplo, como poderia haver água nessa caverna isolada? A chuva não podia cair aqui. Logo, o líquido à sua frente não podia ser água.
Enquanto isso, se apenas provasse, perceberia que era água.
Infelizmente, não havia muito que Orgulho pudesse fazer quanto a isso.
Ela não podia deixar a nuvem agir sozinha, e não podia enviar outros Espectros para supervisioná-la, pois isso causaria mais mal do que bem.
— Espere aqui — ordenou Orgulho.
— Ok — respondeu a nuvem.
Então, a conexão foi cortada.
Após o fim da conexão, Nick imediatamente deixou a caverna.
Ele sabia o que estava prestes a acontecer.
“Orgulho vai mandar um de seus servos para me matar.”
“Foi pra isso que estive trabalhando esse tempo todo!”
Nick se preparou para a batalha.