— Irmão sênior — disse Surem. — Vou mostrar a seita para você.
Gravis assentiu. — Obrigado — respondeu.
Gravis já havia inspecionado os arredores com seu Espírito, e o que viu o surpreendeu bastante. No momento, ele flutuava no céu, mas, abaixo, via uma infinidade de construções.
Surpreendentemente, a maioria delas eram cabanas de madeira, com mortais cuidando de plantações de arroz. Aquilo não parecia uma seita de forma alguma. No entanto, Gravis tinha certeza de que era, pois via vários edifícios enormes espalhados entre as cabanas de madeira. Esses edifícios tinham estilos arquitetônicos diferentes e eram feitos de materiais variados. Além disso, Gravis sentia a presença de vários cultivadores vivendo nesses edifícios.
O que mais surpreendeu Gravis foi a força desses cultivadores. A grande maioria eram Imortais, com cerca de metade sendo cultivadores de Compreensão de Leis e pouquíssimos no Reino Nutrição Nascente. Nessas construções, Gravis não viu ninguém abaixo do Reino Nutrição Nascente.
Tudo emanava uma aura de liberdade. Os diferentes estilos arquitetônicos que não seguiam uma regra comum, as distâncias variadas entre os edifícios e a presença de tantos mortais criavam uma atmosfera de liberdade. Parecia que todos podiam fazer o que quisessem.
No entanto, tudo mudava se alguém olhasse para a distância. A cerca de 50.000 quilômetros dali, havia escuridão e pressão.
Naquela distância, Gravis viu uma cordilheira escondida em escuridão perpétua. Era parte da seita, mas a aura daquele lugar era o oposto da terra de liberdade que via agora.
Todos os edifícios eram uniformes e feitos dos mesmos materiais. Tudo era cinza e envolto em trevas, como se felicidade e liberdade não existissem naquele lugar. Lá, Gravis pôde ver ainda mais cultivadores do que na outra parte da seita. Além disso, a distribuição de Reinos era inversa.
Não havia Imortais, apenas alguns cultivadores de Compreensão de Leis, muitos no Reino Nutrição Nascente e uma quantidade impressionante de cultivadores do Reino Unidade. Todos usavam as mesmas roupas, tinham o mesmo corte de cabelo, faziam as mesmas coisas e aprendiam as mesmas Leis.
Gravis já tinha uma suspeita, mas esperaria pela explicação de Surem.
— Abaixo de nós, você pode ver as Terras dos Irrestritos — explicou Surem. — Essa é a área onde vivem os Irrestritos. Eles podem fazer o que quiserem, mas, claro, todos os outros também são livres para fazer o que quiserem. Então, se alguém incomodar outra pessoa, a outra pode revidar. Não desencorajamos assassinatos dentro da seita. Todos são livres para fazer o que quiserem.
Gravis assentiu. — Presumo que os Irrestritos a quem você se refere sejam cultivadores que conseguiram compreender a Lei Menor da Supressão, correto?
Surem ficou um pouco surpreso por Gravis ter chegado a essa conclusão tão rapidamente, mas assentiu. — Sim. Quando alguém conhece a Lei Menor da Supressão, formalmente se junta aos Irrestritos. A partir daí, é considerado um verdadeiro membro da seita.
Gravis assentiu. — E aquela outra área à distância? — perguntou.
Surem estremeceu, claramente lembrando-se de memórias horríveis. — Aquelas são as Terras dos Restritos — disse com um suspiro. — Eu já fiz parte dessas terras, e as odeio e desprezo completamente.
— No entanto, elas são uma necessidade — continuou. — Para valorizar e compreender a liberdade, é preciso primeiro aprender o que é a supressão. Liberdade é a ausência de supressão, e só quando você conhece algo profundamente pode evitá-lo perfeitamente.
— Como exatamente funcionam as Terras dos Restritos? — Gravis perguntou.
— Nossa seita é popular entre os cultivadores — explicou Surem. — Muitos querem se juntar a nós. Viver dentro de uma seita sem deveres e poder fazer o que quiser? Quem não gostaria de ser parte de algo assim?
— Contudo, primeiro é necessário conquistar seu lugar na seita compreendendo a Supressão. Então, antes de alguém se juntar, informamos o que acontecerá. Se estiverem dispostos a aceitar, eles assinam sua liberdade e individualidade, ingressando nas Terras dos Restritos, onde enfrentarão a supressão mais extrema imaginável.
— Mais de 90% dos candidatos recusam assim que são informados do que acontecerá, e essa é a escolha deles. Se não quiserem entrar, tudo bem. Os 10% restantes acreditam que podem suportar a Supressão e entram mesmo assim.
— No entanto — Surem suspirou. — Nunca conheci uma única pessoa nesta seita que não se arrependesse da decisão. As dores das Terras dos Restritos são inimagináveis para pessoas comuns. Após alguns dias, praticamente todos já tentam fugir. Dizem que não querem mais fazer parte da seita e desejam sair formalmente.
— Infelizmente, a verdadeira supressão só pode ser ensinada sob verdadeira supressão. Eles são mantidos como prisioneiros e forçados a fazer tudo o que ordenarmos. Forçamos lutas injustas para demonstrar nosso poder sobre eles. Se vencerem uma luta, confiscamos todos os espólios.
— Os cultivadores avançam de Reino quando decidimos. Lutam quando queremos. Dizem o que queremos. A única coisa que não tocamos é a mente, já que precisam manter sua individualidade para compreender a supressão. Se mexermos em suas mentes, eles se tornariam cascas vazias.
— E isso continua até que aprendam a Lei Menor da Supressão ou morram. Não há meio-termo — disse Surem. — 95% dos cultivadores nunca aprendem a Lei Menor da Supressão e passam o resto de suas vidas sob a supressão mais extrema até eventualmente morrerem.
Surem olhou para as Terras dos Restritos com uma expressão melancólica.
— Fui parte das Terras dos Restritos por 567 anos — disse.
Gravis suspirou. Viver 567 anos assim era algo quase inimaginável para ele. Claro, Gravis havia lutado contra o Céu intermediário por cerca de 700 anos, o que também podia ser descrito como uma supressão pesada, mas a sensação era diferente.
Se Gravis tivesse que associar uma cor ao seu tempo com o Céu intermediário, seria preto e vermelho. A morte estava em cada esquina, e ele basicamente só precisava sobreviver o tempo todo. Enquanto isso, as Terras dos Restritos seriam cinzas. Não havia muita pressão de vida ou morte. Não havia muita ação. Não havia muitas lutas. Era simplesmente uma vida cinzenta de rotina monótona.
Se fosse por escolha, Gravis preferiria lutar contra o Céu intermediário a viver nas Terras dos Restritos. No entanto, era importante lembrar que nem todos pensavam assim. A maioria provavelmente preferiria as Terras dos Restritos. Afinal, suas vidas eram relativamente seguras ali. Estar sob constante ameaça de morte por centenas de anos era aterrorizante para a maioria das pessoas.
— Foi a escolha deles — disse Gravis. — Sabiam o que aconteceria e decidiram arriscar. Foi um erro fazer essa escolha? Em suas mentes, certamente. No entanto, isso também faz parte da liberdade. Liberdade significa que você também pode cometer erros.
— Isso é algo que aprendi muito bem — disse Gravis com os olhos semicerrados.
Gravis lembrou-se de como havia decidido enfrentar o Céu intermediário, mesmo estando completamente despreparado. Até agora, ele ainda era mais fraco que o Céu intermediário! Aquilo foi um erro, mas foi um erro que Gravis cometeu. Depois, decidiu usar sua Lei da Liberdade como Avatar. Isso também foi um erro? Gravis ainda não tinha certeza. Apenas o futuro mostraria se foi ou não.
Surem suspirou. — Não sei ao certo — disse. — Quando alguém é jovem e pensa que sabe de algo, mas não sabe, é justo destruir a vida dessa pessoa por causa de uma decisão?
Gravis olhou para Surem. — A liberdade não é gentil — respondeu.
Surem franziu a testa. — O quê? — perguntou.
— A liberdade, como qualquer outra coisa, não é boa nem má — explicou Gravis. — Você pode fazer o que quiser e viver a vida ao máximo, mas também é livre para cometer tantos erros quanto quiser. Quando você erra enquanto é livre, ninguém estará lá para protegê-lo.
— Quando você é suprimido, não pode viver a vida plenamente. No entanto, ser suprimido significa que alguém mais poderoso do que você está o restringindo, e essa pessoa mais poderosa é capaz de afastar perigos que você não consegue lidar.
— Claro, quase todos ainda prefeririam a liberdade, eu incluído — disse Gravis.
— Mas viver de acordo com a liberdade total é algo que quase ninguém está disposto a fazer, eu incluso — completou.
— O que você quer dizer? — perguntou Surem.
— Liberdade e supressão são um gradiente, Surem — explicou Gravis. — Liberdade não significa que você deve viver completamente livre, mas sim que pode escolher onde deseja viver nesse gradiente.
Surem não tinha certeza do que Gravis queria dizer. Tudo isso parecia um pouco complicado.
— Se você vive com 100% de liberdade e 0% de supressão, isso significa que está livre de qualquer restrição, mas uma parte da supressão é a responsabilidade. Responsabilidade também é uma forma de supressão.
— Então, viver em verdadeira liberdade significa não se importar com aqueles que você ama. Você não tem responsabilidade por eles. Se eles morrerem, eles morrem. Não tem nada a ver com você — disse Gravis.
— Quando você tem uma família ou pessoas queridas mais fracas que deseja proteger, às vezes sente a pressão. Se algo acontecer com você, seus entes queridos podem morrer. Se você cometer um erro, pode não apenas arruinar sua vida, mas também a vida de todos os que são importantes para você.
— A responsabilidade é um peso que o impede de fazer o que deseja — disse Gravis. — A responsabilidade é parte da supressão.
Gravis olhou para o céu. — Meu objetivo não é viver em liberdade total, mas ter a liberdade de escolha. Quero decidir se quero uma família ou não. Quero decidir o que pode me suprimir e o que não pode.
— Ser livre não significa viver livre — disse Gravis.
— Lembre-se disso, Surem.