“Os caçadores são chamados assim porque eles caçam magos”, explicou Snow Cloud. “Eles são especializados em um tipo de refinamento corporal o qual lhes concede resistência à magia, e eles o utilizam para caçar e matar magos. Até mesmo os Mestres e Grão-Mestres os temem.”
“Por que eles caçam magos? Arran perguntou. Ele estava curioso sobre a técnica de refinamento corporal citada por ela, mas não parecia ser o momento certo para manifestar seu interesse por ela.
“Ninguém sabe”, ela respondeu. “Eles raramente surgem nas terras fronteiriças, mas quando aparecem, acabam deixando um rastro de magos mortos. Depois disso, simplesmente desaparecem novamente.”
“É isso? Eles matam magos?” Arran franziu a testa, insatisfeito com a explicação. Ele já havia matado uma boa quantidade de magos e, com a possível exceção de Zehava, os outros do pequeno grupo também. Além disso, enquanto os poderes dos Caçadores se assemelhavam aos seus, o refinamento corporal e a resistência à magia não são habilidades únicas.
“Você não está entendendo”, disse Rock Blaze. “Eles massacram magos como plebeus”. Ele enfatizou a última palavra, expressando uma repulsa em seu rosto como se essa ideia fosse obscena.
“Mas os magos também matam uns aos outros”, disse Arran. “E com bastante frequência.
“Isso é diferente”, disse Rock Blaze com firmeza. “Uma luta entre magos é uma luta entre iguais. Mas os Caçadores… o que eles estão fazendo é uma carnificina. Não há honra envolvida.”
Para os ouvidos de Arran, as palavras do especialista pareciam um absurdo. Até mesmo ignorando a ideia ridícula de honra em batalha, nenhum dos magos que ele havia enfrentado tinha demonstrado interesse em enfrentar um igual com honra.
Mesmo assim, ele segurou a língua.
Por mais irracionais que as ideias de Rock Blaze parecessem para Arran, o conflito que havia entre eles tinha acabado de ser resolvido e reacender o conflito não serviria para nada. Ainda que ele achasse que o especialista era um idiota.
Em vez disso, ele perguntou: “É por isso que seus ataques utilizam a Essência indiretamente?”
Parecia ser a pergunta certa, porque, imediatamente, a expressão do especialista ficou animada. “Exatamente! A magia direta é fácil, mas tem muitas fraquezas. Ao manipular objetos, você pode…”
Rock Blaze passou vários minutos elogiando as virtudes dos ataques mágicos indiretos e, embora a opinião de Arran em relação ao homem não tenha melhorado, ele se pegou ouvindo atentamente. Ele não tinha planos para usar as técnicas – principalmente porque não possuía a habilidade necessária – mas qualquer coisa que ele aprendesse poderia ajudá-lo a se proteger melhor.
O especialista continuou a falar por algum tempo, mas, finalmente, Snow Cloud o interrompeu. “Devemos partir. Há uma longa jornada pela frente, e a região ainda está repleta de inimigos. Quanto mais cedo partirmos, melhor.”
Arran concordou com a cabeça. “Devemos partir. Mas há algo que preciso fazer nas ruínas, primeiro – isso só vai levar um momento.”
Snow Cloud lhe deu um olhar significativo, depois assentiu. “Seja rápido.”
Arran levou pouco tempo até encontrar a bolsa vazia que havia escondido na cidade e sorriu de satisfação quando inspecionou seu conteúdo. Os pertences dos noviços da Lua Minguante que haviam matado na estrada para o Império Eidaran ainda estavam lá e, pelo visto, intactos.
Quando ele voltou para os outros, ele os encontrou prontos e esperando para partir.
No entanto, quando eles estavam prestes a partir, Zehava falou. “O veneno que você usou em Rock Blaze”, ela começou, olhando com medo para Snow Cloud, “você o usou em mim também?”
“É claro”, respondeu Snow Cloud imediatamente. “Eu darei o antídoto a vocês assim que estivermos em segurança, mas não antes disso.”
“Mas e se algo acontecer?”
“Eu controlo o veneno”, interrompeu Snow Cloud. “A menos que eu o ative, estarão seguros. Mas se eu vir qualquer sinal de traição…” Ela deixou o resto sem falar, mas a mensagem foi clara: traição significava morte.
Arran se perguntou se Snow Cloud não estaria dizendo a verdade, mas só por um breve momento. Depois de passar mais de um ano com ela, ele a conhecia muito bem e sabia que isso não era um blefe – ela realmente havia envenenado os dois.
Em sua mente, ele elogiou a determinação dela. Esse não era um lado dela que ela demonstrava com frequência, mas quando o fazia, não deixava de deixá-lo impressionado.
Eles partiram rapidamente mais uma vez, mas em um ritmo menos frenético do que antes. Com uma longa jornada à frente e sem mais um perseguidor em seu encalço, a correria não seria boa para eles.
Para a surpresa de Arran, não encontraram mais nenhum mago da Montanha de Ferro ao sair do Império Eidaran, e Zehava explicou que a maioria dos grupos de busca haviam sido enviados para o norte.
Isso facilitou a viagem, mas Arran não teve muito tempo para desfrutar da jornada pacífica, já que o comportamento de Rock Blaze mudou radicalmente depois de saber que Arran não era um Caçador.
Antes, o especialista o tratava com hostilidade quase velada, agora ele se encarregava de instruí-lo nas complexidades da magia, e o fazia com detalhes excruciantes.
Arran suspeitava vagamente que era a maneira de Rock Blaze se desculpar pela falsa acusação, mas seja qual for o motivo, não demorou muito para ele começar a temer as palestras de Rock Blaze mais do que temia o poder do homem.
Ainda assim, à medida que as semanas passavam, Arran foi forçado a admitir, relutantemente, que Rock Blaze era um excelente – embora desagradável – professor.
Não só o conhecimento do especialista excedia em muito o de Snow Cloud, como ele também era muito mais habilidoso em transmitir esse conhecimento, e Arran aprendeu muito com os infinitos diálogos de Rock Blaze. Isso não foi nem de longe suficiente no sentido de compensar os anos sem instrução adequada, mas lhe permitiu começar a construir a base que antes lhe faltava.
Melhor ainda, à medida que sua compreensão da magia melhorava, também aumentava sua compreensão do selo em seu Reino da Destruição. E, embora continuasse longe de abri-lo, ele estava cada vez mais confiante de que com alguns meses de trabalho contínuo seria capaz de rompê-lo.
Depois de várias semanas de viagem, chegaram ao local que abrigava o acampamento do Sol Nascente. O local estava completamente abandonado, com exceção de uma família de criadores de cabras que se instalou no castelo que o Ancião Naran habitava.
Mas, ainda que o acampamento tivesse sido abandonado meses antes, o exército que o mantinha era grande o suficiente para que o caminho ainda fosse bem visível, a grama nova começava a cobrir o rastro profundo de sujeira deixado por milhares de botas.
“Você está planejando segui-los?” perguntou Zehava.
Snow Cloud respondeu com um breve aceno de cabeça. “Se o que você diz é verdade que as três facções estão em um impasse em frente à fronteira, então o Sol Nascente é a nossa melhor chance de atravessar com segurança. O Ancião Naran vai nos ajudar assim que souber da situação.”
“Deixei o exército da Montanha de Ferro há meses”, respondeu Zehava em um tom incerto. “Não sei o que aconteceu depois disso – pelo que sei, a batalha pode ter terminado há muito tempo. Se continuarmos, pode ser que encontremos apenas inimigos na fronteira.”
“É possível”, disse Snow Cloud, “Mas eu duvido. O Sol Crescente e a Lua Minguante não se atreveriam em atacar um ao outro com a Montanha de Ferro à espreita.” Ela suspirou e acrescentou: “E com exércitos tão grandes, se uma batalha de verdade começar, é bem provável que os Anciões das facções participem. Caso isso aconteça, a destruição seria inimaginável”.
Quando ela disse essas últimas palavras, Arran sentiu uma preocupação nos olhos dos novatos, e até Rock Blaze pareceu desconfortável.
Mas então, ele se sentiu preocupado tanto quanto eles, se não mais. Ele havia visto as consequências de uma batalha contra magos realmente poderosos nas ruínas de Uvar, e a visão daquilo ficou gravada em sua mente. Se os Anciões das Chamas Sombrias possuíssem uma fração desse poder, ele não gostaria nem de estar em um raio de 30 quilômetros quando eles lutassem.
A viagem continuou de forma tranquila, como eles poderiam esperar, mas, à medida que as semanas passavam, as preocupações com os perigos à frente ficavam cada vez mais fortes. Contra os Anciões das Chamas Sombrias, a pequena força que tinham era totalmente inútil, e eles precisam depender de outros para sobreviver.
Para os magos que estavam acostumados a depender de seu próprio poder, talvez fosse a percepção mais assustadora de todas: a de que se dirigiam para uma situação em que podiam até ser plebeus.
Mas, apesar de suas preocupações, continuaram em frente e, a cada dia que passava, aproximavam-se mais de seu destino. Então, uma tarde, Arran finalmente avistou as vastas montanhas da fronteira à distância.
Elas ainda ficavam longe o suficiente para ele mal conseguia vê-las, mas mesmo vendo suas formas borradas subindo para o céu, ele ficou com uma sensação de admiração. As montanhas eram maiores do que ele se lembrava – anormalmente grandes, quase – e formavam um linha ininterrupta de norte a sul, como um muro construído para deter os deuses.
“Estamos quase lá”, disse Snow Cloud em voz baixa. Mergulhado em seus pensamentos, Arran não ouviu sua aproximação.
Ele tentou se lembrar de algo encorajador para dizer, mas nenhuma palavra veio. Já estavam no final da jornada e, até o fim da semana, encontrariam a vitória ou a morte.
“Espero que consigamos”, disse ele finalmente.
“Eu também.”
Ela estendeu a mão e pegou a dele e, por um tempo, ficaram em silêncio, olhando fixamente para as montanhas à frente.