Simbady pensou que era apenas um blefe. Ele não esperava que o Clã Bravareia estivesse falando a verdade.
Quando os guerreiros do Clã Bravareia estavam prestes a executar a ordem, um confronto aconteceu. Mais de 50 pessoas, que acharam a punição injusta e queriam escapar do castigo, começaram a brigar com aqueles que tentavam capturá-los.
Desarmados, os transgressores logo perderam a batalha para os guerreiros do Clã Bravareia, que usavam porretes e escudos. Eles foram, como resultado, despidos e amarrados.
Thuram os chicoteou pessoalmente.
Muitas pessoas ficaram irritadas ao verem isso e até queriam ajudar, mas logo desistiram quando viram as armas do povo nortenho.
Todo mundo conhecia a história dos Cães de Guarda, que haviam sofrido uma derrota miserável no oásis.
Embora rápidos como o vento, eles não haviam conseguido penetrar a linha defensiva dos nortenhos.
O motivo? Essas armas estranhas de metal, que ninguém sabia como funcionava.
Em seguida, gritos e lamentos ressoaram pela praia.
O Clã Bravareia não planejava chicotear esses homens até a morte. Após mostrar as costas sangrentas dos transgressores para todo mundo, Thuram os instruiu a tratar os ferimentos com ervas e curativos. Normalmente, raramente haveria alguma praga nos congelantes Meses dos Demônios. Contanto que estivessem fisicamente fortes, eles sobreviveriam às chicotadas.
Carlone e a maioria do Clã Osso de Peixe ficaram indignados, exceto Molly, que parecia alegre consigo mesma ao ver a punição.
Depois que as chicotadas assustadoras terminaram, o grupo formou duas linhas e partiu deserto adentro sob a guia do apito de Thuram.
Thuram não pronunciou uma palavra, mas todos se comportaram com tremenda disciplina. A caminhada aconteceu de maneira ordenada, sem tumulto.
Quando eles chegaram perto da Torre de Vigia, Simbady viu um oásis bem pequeno, ou melhor, um lago. Essa provavelmente era a fonte de água potável encontrada pela vanguarda que Thuram havia dito antes. Nenhuma árvore rodeava o lago, exceto alguns arbustos secos em volta. O lago era muito raso, com uma profundidade não maior que a altura de um ser humano comum. Talvez ele tivesse sido um oásis verdejante décadas atrás. No entanto, já que a força do Curso da Água Prateada diminuiu com o passar do tempo, o oásis, no final, reduziu-se a um pequeno lago.
O lago provavelmente não seria o suficiente para fornecer água potável para as centenas de trabalhadores presentes, que dirá manter a sobrevivência de um clã. Esse lago só existia porque ainda estava no inverno. Quando o verão chegasse, essa pouca água evaporaria sob o sol escaldante. Mesmo que ninguém bebesse a água, o lago secaria uma hora ou outra.
Simbady já tinha visto diversos oásis mortos como esse.
Em outras palavras, se os nortenhos falhassem em encontrar uma nova fonte de água potável em dois ou três meses, eles não teriam outra escolha senão abandonar o Cabo Sem-fim e desistir dessa história de estabelecer uma cidade.
Thuram também notou a escassez da água. Ele gritou para os Mojins:
— Vocês tão vendo esse lago aqui? Ele vai ser nossa única fonte de água potável nos próximos meses. Então economizem. Vocês entenderam?
— E quanto à… comida? — Alguém perguntou.
— Alguém vai entregar comida pra nós. Se não houver o suficiente, nós podemos pescar. — Thuram respondeu.
Ouvindo que eles tinham pelo menos comida e água, todos os clãs ficaram um pouco aliviados. Os Mojins, então, dispersaram-se e armaram suas tendas com base nas instruções do supervisor do Clã Bravareia.
Saber montar e desmontar tendas rapidamente era uma habilidade que todo Mojin possuía. Uma tenda feita de couro poderia abrigar de três a seis pessoas, e normalmente, uma pessoa ficaria responsável por carregar todas as ferramentas e equipamentos necessários. Havia apenas quatro mulheres do Clã Osso de Peixe que haviam se alistado para o trabalho, então o grupo ergueu três tendas, distribuídas triangularmente e firmadas por cordas. Todas as tendas estavam abertas, como uma forma de alertar os outros, caso houvesse perigo.
À tarde, Thuram apitou novamente e convocou todo mundo. Em seguida, ele levou os Mojins para um lugar perto da praia.
Simbady ficou surpreso ao descobrir que os nortenhos haviam construído algo incomum ali.
Na areia da praia, havia várias estacas de madeira pequenas. Entre as estacas, havia cordas brancas amarradas. Como se dividissem territórios, essas cordas e estacas segmentavam a terra em vários retângulos enormes. Cada retângulo tinha 120 passos (60 metros) de largura, no mínimo.
A coisa mais incrível era que todos os retângulos eram do mesmo tamanho. Todas as beiradas e cantos eram retos e perfeitos. Simbady se perguntou como eles haviam feito isso com tanta perfeição.
Havia aproximadamente 50 retângulos ou mais. Simbady também notou que alguns homens do Reino de Castelo Cinza continuavam marcando o terreno com estacas de madeiras, utilizando ferramentas estranhas. Parecia que eles planejavam continuar a fazer isso até que toda a área estivesse coberta.
— Vocês finalmente estão aqui. — Um homem alto se aproximou de Thuram. — Meu nome é Kencury. Eu sou um ex-integrante da Guilda dos Pedreiros da antiga capital do Reino de Castelo Cinza… Bem, vocês provavelmente nunca ouviram falar dessa organização. Até mesmo no Reino de Castelo Cinza, poucas pessoas ainda se lembram desse nome. Graças à bondade do rei, que nos contratou, nossa guilda está conseguindo ter uma vida digna lá. Caso contrário, não sei o que aconteceria conosco… Hmm… Não é hora de falar disso, vamos deixar pra depois. — O homem tossiu e continuou. — Enfim, eu serei o responsável pelo monitoramento de toda construção que houver no Cabo Sem-fim. — Em seguida, ele colocou a mão no ombro de Thuram. — Você é o supervisor apontado pela Senhorita Eco, não é?
Eco? Esse é o apelido da Lady Lua Argêntea? — Simbady ficou chocado com o fato de Kencury, um nortenho aparentemente comum, parecer ter o mesmo status da Líder do Clã Bravareia.
Não acostumado a conversas fiadas ou às formalidades superelaboradas de Kencury, Thuram mostrou um sorriso rígido. Ele deu um passo para trás e curvou-se, dizendo:
— Por favor, me chame de Thuram. Quanto a esses caras, só me diga o que eles devem fazer. Se alguém fizer corpo mole, os punirei severamente.
Aparentemente, Thuram havia recebido instruções da Líder do Clã Bravareia, já que ele tratava Kencury com grande respeito. Mas Simbady sabia que eram daqueles soldados do Reino de Castelo Cinza que Thuram sentia medo.
Kencury deu de ombros, dizendo:
— Muito bem. Galera, não tem tavernas ou mulheres aqui. Quero dizer, aquele tipo de mulheres. Então concentrem-se na construção. O primeiro trabalho de vocês é muito simples: cavar buracos. Tão vendo aqueles retângulos? Cavem um buraco em cada retângulo até que a água da praia atinja seus joelhos.
Por um momento, ninguém respondeu. Houve um silêncio constrangedor.
Thuram ergueu as sobrancelhas, gritando:
— Vocês são surdos?! Movam suas bundas! — Apesar do grito, parecia que Thuram havia gostado da reação dos Mojins.
Mas Kencury levantou a mão e parou Thuram.
— Espere… Não precisamos ter pressa. Eu não expliquei a eles o porquê temos que cavar buracos.
— O senhor não precisa explicar…
— Não, não, não. Sua Majestade uma vez disse uma coisa que eu concordo totalmente. Ele chama de pro… proatividade. Isso, essa é a palavra! — Kencury juntou as mãos. — Significa mais ou menos que, quando uma pessoa sabe o motivo por trás do trabalho, ela se torna mais produtiva. Então ouçam atentamente… Esses buracos determinarão se poderemos viver aqui no futuro ou não! Esses buracos… — Ele parou por um momento e depois continuou. — São a chave para convertermos a água do mar em água potável!
Os Mojins ficaram atônitos ao ouvirem essas palavras.
— O mecanismo por trás desse processo é muito simples, mas somente o Rei Roland poderia pensar em algo assim. É como ferver água… Nós vamos primeiro encher esses buracos com água do mar. Quando a água for esquentada pelo sol e se transformar em vapor, nós coletaremos a água potável. — Kencury usou até mesmo gestos com as mãos para explicar mais profundamente. — Caso não tenham entendido, não se preocupem. Só vejam o oceano como um grande lago de água misturada com sal. Se separarmos a água do sal, todo o Mar Agitado se tornará nossa fonte de água doce!
Simbady ficou parado onde estava. Ele não sabia se esse projeto daria certo. Ele até que havia entendido a segunda metade da teoria, mas como eles iriam coletar coisas intangíveis como o vapor d’água?
Kencury cerrou o punho, dizendo:
— A produção naturalmente será muito limitada. Um retângulo pode apenas fornecer água para dez pessoas. Portanto, temos que construir uma grande quantidade de Câmaras de Conversão para as centenas de pessoas que trabalham aqui! Vocês deveriam se sentir afortunados, já que Sua Majestade se importa bastante com o Plano de Construção do Cabo Sem-fim. Essa também é a segunda cidade nomeada pelo rei. A primeira foi a Cidade de Primavera Eterna. Para celebrar a unificação do Extremo Sul, Sua Majestade determinou que esta cidade se chamasse “Festividade”. E vocês não apenas são os construtores do Porto Festivo, como também os primeiros moradores deste lugar!