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The Death Mage Who Doesn’t Want a Fourth Time – Prólogo

Prólogo

O navio ocupado pelos estudantes do Colégio Yasaka afundou durante um passeio escolar devido a uma bomba plantada por um grupo terrorista.

Nesse trágico incidente, cerca de cento e duas pessoas morreram, incluindo passageiros e operários que trabalhavam no navio. O número de terroristas mortos não foi contabilizado.

— Huh, vendo que a água fria e salgada desapareceu, acho que isso significa que eu também morri.

Amamiya Hiroto sentiu uma profunda dormência ao notar que havia falecido.

Ele estava em um local fracamente iluminado junto de inúmeras outras pessoas. Não era algo tão simples quanto flutuar nas águas do Rio Sanzu [1], com belos campos floridos aguardando do outro lado, mas essa provavelmente era a entrada para o pós-vida.

As outras pessoas estavam reagindo de maneiras distintas ao notarem que estavam mortas — algumas estavam chorando, algumas estavam consolando seus conhecidos e outras demonstravam alívio quando viam que seus amigos ou entes queridos não estavam ali junto delas.

Hiroto também quis gritar que seu tempo ainda não havia chegado, que ele ainda queria continuar vivendo, mas não conseguiu encontrar forças dentro de si para fazê-lo.

— No fim, parece que eu morri em vão, huh? — Ele disse, notando uma colega de classe parada a alguns metros de distância.

Ela era Naruse Narumi. A conhecida brincalhona da classe, também chamada pelo seu apelido, Naru. Hiroto tinha morrido para salvá-la.

Quando o navio balançou e começou a afundar, Narumi não conseguiu se segurar no corrimão e parecia estar prestes a cair. Hiroto segurou sua mão de imediato na intenção de ajudá-la, mas acabou escorregando pelo piso inclinado no lugar dela. Ele bateu com as costas contra a parede e caiu no oceano, onde começou a se afogar.

Aconteceu de maneira inesperada, pois não era algo que ele tinha a pretensão de fazer. Parando pra pensar, foi um ato bastante desesperado e irresponsável. Ainda assim, se ela tivesse sobrevivido, Hiroto ao menos teria sido capaz de encontrar algum consolo, mas…

— Mesmo assim, eu acho que morri agindo como uma boa pessoa.

Mesmo que Hiroto morresse, a verdade é que ninguém se importaria. Seus pais haviam falecido quando ele ainda era pequeno, deixando-o órfão e sem irmãos. Seu relacionamento com a família de seu tio paterno — por quem tinha sido adotado — era péssimo. “Suma daqui depois que acabar o colégio”, lhe disseram. Ele não tinha nenhum amigo ou namorada. Além do mais, seu tio acabaria recebendo o restante da herança deixada pelos pais de Hiroto e o dinheiro de condolência do incidente [2], então todas as suas dívidas também já estavam pagas. Em verdade, era um pagamento mais do que justo, considerando o tratamento abusivo que sofrera nas mãos do tio e dos primos.

Seus sonhos para o futuro eram vagos, consistindo de coisas simples como “se tornar feliz”. Estaria tudo bem caso esse desejo fosse realizado no paraíso. Se nada mais, seu tio e aquela família não estariam aqui.

Entretanto, a realidade era irracional e não tão leniente.

— Vocês, almas que já partiram do mundo mortal, foram escolhidas. Eu vos concederei poderes especiais, um novo destino e boa sorte. Com isso, espero que possam desfrutar de novas vidas em um mundo diferente da Terra de onde vieram.

Deuses provavelmente eram desse jeito. Uma figura misteriosa com um halo luminoso flutuando acima de sua cabeça apareceu e declamou.

Parece que ao invés de um paraíso, o que os aguardava era o infinito ciclo de transmigração. Eles ficaram ainda mais surpresos quando escutaram que seriam reencarnados em outro mundo.

— Claro, vocês podem optar por recusar o meu pedido. Nesse caso, todas as memórias de sua vida passada serão apagadas e vocês reencarnarão em algum lugar da Terra, como é de costume. Aqueles que assim desejarem, peço que deem um passo à frente.

Hiroto se perguntou quem recusaria numa situação como aquela, mas um dos rapazes realmente andou na direção do deus. Estando um pouco distante, ele não conseguiu escutar o que foi dito pelo garoto, mas a divindade respondeu, dizendo que ele poderia retornar ao ciclo normal de transmigração. O garoto sumiu logo em seguida, então era óbvio que ele havia recusado a oferta.

Naturalmente, Hiroto, assim como o resto das pessoas neste lugar, pretendia aceitar a proposta do deus. Eles seriam recompensados com algum tipo de poder mágico, teriam uma nova família e viveriam felizes. Nenhum outro cenário seria capaz de oferecer mais esperança do que esse.

— Muito bem. Quando eu chamar o seu nome, por favor venha e fique parado na minha frente.

— Shihouin Mari.

— Naruse Narumi.

— Kaitou Kanata.

— Minami Asagi.

Um após o outro, seus nomes foram chamados e eles receberam poderes especiais, destinos e boa sorte da divindade antes de deixarem o recinto. O nome de Narumi também foi chamado.

Até então, cerca de metade das pessoas já havia partido e o nome de Hiroto ainda não tinha sido chamado.

— Amamiya… não, Amemiya Hiroto.

Por um momento, Hiroto pensou ter sido chamado, mas parecia não ser o caso. Alguém com um nome bastante parecido se adiantou e parou na frente do deus.

— Amemiya?

Era um nome que Hiroto nunca tinha ouvido antes. Mesmo que eles estivessem em turmas diferentes, ambos eram da mesma escola, então parecia improvável que ele não conhecesse alguém com um nome tão parecido.

Era um passageiro que estava a bordo do navio ao mesmo tempo que eles, ou um dos funcionários? O rapaz parecia estar no auge de sua adolescência… e mesmo o seu físico era semelhante. Se até suas faces fossem parecidas, ele certamente deveria ser o doppelganger de Hiroto, ou um irmão separado no berço.

Os outros receberam um ou dois, no máximo três poderes especiais da divindadeEnquanto Hiroto observava, Amemiya Hiroto recebeu nada menos do que oito poderes bastante significativos. Havia até mesmo dois destinos e duas fortunas, mas o deus combinou tudo em uma coisa só antes de entregá-las a ele.

Receber não apenas dois, mas sim oito poderes especiais! O deus deve amar muito essa pessoa. Enquanto Hiroto pensava nisso, o deus prosseguiu, chamando o próximo indivíduo. E, em tempo, Hiroto foi o único que restou.

— Hm? Quem é você?

O deus finalmente percebeu a presença de Hiroto.

— Eu sou Amamiya Hiroto.

O deus parecia estar confuso, então Hiroto lhe disse seu nome. Entretanto, isso pareceu apenas deixá-lo ainda mais surpreso.

— Amamiya Hiroto? E não Amemiya? Seu sobrenome é Amamiya, escrito como “santuário do paraíso” e seu primeiro nome é Hiroto, escrito como “pessoa instruída”? [3]

— Isso mesmo.

Com um mau pressentimento, Hiroto respondeu ao deus, confirmando a grafia de seu nome. O deus, em resposta, gemeu.

— Céus… seus nomes são parecidos, então eu cometi um erro. Eu pensei que você e Amemiya Hiroto fossem a mesma pessoa. Todas os poderes especiais que supostamente deveriam ser seus foram, infelizmente, dados para ele. Mesmo o seu novo destino e a boa sorte que também deveria ser sua para mantê-lo seguro, agora são de Amemiya Hiroto.

Era um erro honesto que aconteceu através de pura coincidência, aparentemente na hora em que Hiroto pensou ter ouvido seu nome sendo chamado pela divindade.

— Contudo, Amemiya Hiroto não está mais aqui, então eu não posso pegar de volta a sua parte e tampouco posso criar novos poderes para você. O mesmo pode ser dito para seu futuro e a sua boa sorte.

— Então, em outras palavras, eu sou o único que vai precisar começar do zero, com nada para me ajudar?

— Não. Você vai começar de uma posição negativa. Você jamais será salvo pelo destino ou pela coincidência, tampouco será abençoado com boa sorte.

Não era nem mesmo um novo começo a partir do zero, mas sim de uma posição inicial negativa. Isso não era um pouco demais?

— Nesse caso, eu desisto. Por favor, me deixe retornar para o ciclo de transmigração normal, como aquela pessoa fez um pouco mais cedo.

Mesmo que ele reencarnasse em um novo mundo, parece que ele só passaria por dificuldades, então Hiroto estava pronto para desistir de seu renascimento. Mas o deus balançou a cabeça.

— A hora de confirmar suas intenções já passou.

— Você está falando sério?

Hiroto não podia mais recusar. Ele estava pronto para objetar e dizer que esse tipo de regra não deveria existir, mas seu corpo foi envolto em luz e a sua consciência começou a desvanecer.

— Parece que é chegada a hora de seu renascimento.

Sem chance! Não é injusto demais eu ser o único que precisa recomeçar com absolutamente nada?! 

— Em troca, a sua alma possui uma grande lacuna vazia que é diferente dos outros que estão reencarnando. No lugar de poderes especiais, essa moldura vazia irá conter uma enorme quantidade de mana dentro de seu corpo. Contudo, já que você não vai ter nenhum tipo de aptidão com magia, você não será capaz de aprender a utilizar nenhum dos atributos mágicos existentes no mundo em que você está prestes a reencarnar, Origem, e como consequência, vai ser algo inútil para você — o deus disse.

Essas palavras deveriam me trazer algum tipo de conforto? Ter mana e ainda assim ser incapaz de usar magia é realmente um completo desperdício!

— Eu sinto muito por você. Sem poderes especiais, destino ou mesmo sorte, estou certo de que você vai enfrentar inúmeras dificuldades. Você será incapaz de crescer em um ambiente feliz. Suas perspectivas para o futuro também serão limitadas, já que você não pode usar magia. Você será atormentado por uma solidão ainda mais intensa do que aquela que você enfrentou em sua antiga vida; em seu desespero, você irá lutar para sobreviver e vai sofrer terrivelmente. Mas eu peço que você aguente e viva sem desistir ou guardar ressentimentos.

Você faz parecer tão fácil!

Sem nem mesmo ser capaz de gritar em protesto, Amamiya Hiroto começou a sua segunda vida.


Origem, este era o nome do planeta para qual Rodcorte havia enviado as almas de Hiroto e dos outros. Era um lugar parecido com a Terra, com a diferença de que, nesse mundo, magia e ciência estavam misturadas.

As cem pessoas renascidas em Origem ficaram espantadas com as diferenças entre este mundo e a Terra. Elas receberam novos parentes, foram salvos por inúmeras circunstâncias de boa sorte, utilizaram seus poderes especiais e eventualmente se reencontraram, reconhecendo umas às outras através de seus destinos.

Elas mantiveram seu renascimento em segredo, mas antes que soubessem, já estavam sendo glorificadas como “Os Cem Heróis”.

Todas, menos a centésima primeira pessoa.


Rodcorte é a divindade que controla o ciclo de transmigração das almas em muitos mundos diferentes, incluindo a Terra e Origem. Ele não era diretamente adorado pelo povo e tampouco confiava seus assuntos a um clero. Ele também era incapaz de interceder no mundo mortal, descendendo do plano superior para criar milagres.

Ele era capaz apenas de controlar o ciclo de transmigração de almas e, muito ocasionalmente, alterá-lo. No entanto, raramente ele fazia alguma alteração no ciclo.

Isso deve-se ao fato de que o ciclo de transmigração era muito bem feito e praticamente não havia situações em que a intervenção de Rodcorte era necessária.

No entanto, um problema surgiu recentemente.

O ciclo de transmigração de um dos mundos que ele administrava era mais lento do que o de outros mundos.

Enquanto os outros mundos estavam progredindo normalmente, esse planeta problemático havia estagnado há algum tempo.

Magia, artes marciais, literatura, ciência, engenharia, arte, culinária. Um determinado padrão estava se repetindo em uma ampla variedade de áreas onde o desenvolvimento ocorria, mas era perdido logo em seguida.

As nações deste mundo problemático estavam em um constante estado de conflito umas com as outras; mais de mil anos passaram sem o menor sinal de progresso. De tempos em tempos, um herói apareceria e um de dois países menores, que estavam em guerra, venceria e absorveria o perdedor para formar uma nação maior. Esses países extensos, contudo, eram incapazes de se unificarem de maneira apropriada e eventualmente eram dissolvidos, gerando novos conflitos.

Mesmo quando as nações eram capazes de manter a paz entre si, incidentes como o surgimento de demônios poderosos causavam fatalidades ainda maiores do que a guerra.

Existiam deuses que controlavam diretamente aquele mundo, guiando seu povo. No entanto, para proteger seu território do Rei Demônio que anteriormente havia aparecido em outros planos, eles precisaram invocar heróis capazes de enfrentar a ameaça. Com o auxílio desses indivíduos, os deuses lutaram contra o inimigo e, desde então, foram incapazes de recuperar seus poderes e capacidades por completo.

Era necessário que esse mundo continuasse evoluindo independentemente dos meios. No momento ele estava estagnado, mas um único acontecimento poderia dar início a um súbito declínio em seu desenvolvimento.

Conforme o mundo regredia, a quantidade de almas que passavam pelo ciclo de transmigração era menor, apresentando um risco até mesmo para Rodcorte.

Enquanto Rodcorte pensava no que deveria ser feito, ele escutou alguns rumores de deuses que controlavam outros mundos.

O rumor dizia que se você pegasse uma alma com suas antigas memórias conservadas e a abençoasse com poderes absurdos antes de fazê-la renascer em outro mundo, esse lugar se desenvolveria num ritmo alarmante.

Era um rumor no qual ele gostaria de acreditar. Parecia absurdo pensar que uma única pessoa com as memórias de sua vida passada e poderes absurdos conseguiria influenciar um mundo inteiro de maneira tão significativa.

De qualquer maneira, era uma tentativa válida. Naquele mundo problemático, os deuses invocaram inúmeros heróis para batalhar contra o Rei Demônio. Contudo, por meramente se tratar de uma invocação direta dos habitantes de outros mundos, eles não receberam poderes absurdos ou presentes divinos e, mesmo assim, conseguiram derrotar o Rei Demônio.

A maioria dos heróis perderam suas vidas durante a batalha, mas mesmo fazendo parte desse mundo por tão pouco tempo, eles deixaram uma marca duradoura em sua história.

E não havia momento melhor para colocar essa teoria em prática do que o agora, longe de reis demoníacos ou deuses malignos. Sem a presença de acontecimentos como batalhas entre seres anormais que poderiam verdadeiramente desafiá-los, se heróis fossem presenteados com poderes absurdos, eles certamente teriam um impacto ainda mais significativo no desenvolvimento daquele mundo.

Rodcorte felizmente tinha a possibilidade de usar seu cargo para inserir as almas dos mortos em mundos que estavam sob a sua jurisdição, permitindo que eles renascessem quantas vezes fossem necessárias. Fazê-los reter as memórias de suas vidas anteriores também não era uma tarefa particularmente difícil de realizar.

Quanto aos poderes especiais, ele poderia prepará-los usando suas capacidades normais como um ser divino, até então poupadas.

Entretanto, ele estava desconfortável com a ideia de reencarnar apenas uma única pessoa. Apenas para ter certeza, era melhor que ele usasse cem.

E bem a tempo, enquanto Rodcorte finalizava seus preparativos, cerca de cem japoneses morreram. Pelo que tinha ouvido, eles eram habitantes de um país insular com conhecimento avançado em economia e ciência, possuindo uma cultura peculiar.

E, com ninguém por perto para protestar, Rodcorte decidiu remover as almas das pessoas malignas entre os japoneses que morreram no barco e reencarnar o restante.

Mas antes de serem enviadas para o mundo problemático, elas viveriam uma vida inteira em outro mundo, chamado Origem.

Com a intenção de que seu plano fosse executado perfeitamente, Rodcorte escolheu Origem como um “campo de treinamento” para essas almas, de modo que pudessem acumular experiência e conhecimento.

Tão logo essas almas completassem suas segundas vidas em Origem, ele novamente garantiria a elas novos poderes e destinos, antes de reencarná-las no mundo problemático.

Tendo gastado tanto tempo em seus esforços para concretizar esse plano, certamente não tinha como nada dar errado.

Entretanto, não estando acostumado a fazer esse tipo de coisa, Rodcorte cometeu um pequeno erro. Mesmo um deus não era capaz de prever que esse equívoco seria, um dia, a ruína de todas as suas expectativas.


Como se prenunciando tais acontecimentos, uma alma apareceu diante de Rodcorte, tendo terminado sua segunda vida.

Rodcorte antecipou uma pequena diferença no tempo que cada um dos heróis levaria para morrer de acordo com a ordem em que tinham sido reencarnados, mas levando em consideração o tempo de vida estimado de um ser humano, essa reunião aconteceu cedo demais. Ele já estava esperando, no entanto, que esta seria a primeira alma a aparecer.

— Como previsto, você foi incapaz de usufruir de sua segunda vida por completo, Amamiya Hiroto.

O indivíduo que havia aparecido era a centésima primeira alma a ser reencarnada, desprovida de poderes, destino ou mesmo boa sorte. Era a alma de Amamiya Hiroto.

Ante o deus, a alma de Amamiya Hiroto estava miseravelmente ferida e envolta em uma aura de mana sinistra.

— Eu vou matá-los, eu vou matar aqueles desgraçados! Mesmo que eu renasça eu nunca irei perdoá-los! O mesmo vale pra você!

Sem se importar com o fato de que Rodcorte era um deus, Hiroto tentou socá-lo.


Amamiya Hiroto nasceu em uma nação militarista no mundo de Origem.

Rodcorte havia dito que ele nunca teria uma vida abençoada. Essas palavras logo se transformaram em realidade; ele não experienciou nada além de infortúnio a partir do momento em que nasceu.

Sua mãe era uma prostituta e seu pai biológico a abandonou antes mesmo de Hiroto nascer. A mulher encontrou um novo amante que posteriormente tomou a decisão de vender o bebê para comprar álcool, algo com que ela tacitamente concordou.

As pessoas que compraram Hiroto faziam parte de um laboratório que trabalhava com pesquisa ilegal. Ao ser examinado, tornou-se claro que ele era ainda mais inepto com magia do que qualquer pessoa comum no mundo de Origem.

Há sete atributos mágicos que podem ser utilizados no mundo de Origem — os quatro elementos de terra, água, fogo e ar, além dos atributos mágicos adicionais de luz, vida e espaço. Era sabido que todos possuem afinidade com ao menos um dentre os sete.

Entretanto, Hiroto não demonstrou ter qualquer aptidão para com nenhum dos atributos, que dirá algum tipo de afinidade. Em outras palavras, sua existência era uma afronta à lógica, tornando-o inferior a até mesmo uma pessoa comum.

Mas os pesquisadores descobriram que Hiroto tinha uma vasta reserva de mana que era consideravelmente maior do que o padrão estabelecido.

Ele possuía uma quantidade impressionante de mana, apesar de não ter aptidão para nenhum dos atributos. Aos olhos dos pesquisadores, esta era uma contradição bizarra. Até que um deles teve uma ideia.

— Estamos analisando a situação pelo ângulo errado. Não é que a cobaia não possui afinidade com nenhum dos atributos. Ao invés disso, talvez exista outro atributo que ainda não descobrimos!

Daquele momento em diante, a pesquisa começou. Foi por volta dessa época que as memórias da antiga vida de Hiroto ressurgiram.

Após anos de pesquisa com Hiroto servindo como a cobaia de testes humana, eles finalmente descobriram um oitavo atributo — o atributo da morte. Os pesquisadores forçaram Hiroto a aprender o que foi chamado de magia da morte e reconstruíram seu corpo por inteiro, inclusive o cérebro, para dar prosseguimento aos experimentos.

— MORRAAAAAM! — Hiroto gritou.

Entretanto, o dilema de Hiroto chegou ao fim com uma única palavra.

Quando ele finalmente recobrou as memórias de sua vida passada, o corpo de Hiroto já estava repleto de explosivos; em suma, sua vida havia sido tomada como refém. E, ao redor dele, estavam os pesquisadores que não o enxergavam como um ser humano, mas sim como um animal de testes.

Hiroto não mais necessitava de educação básica como o aprendizado do idioma local ou a habilidade de ler e escrever, mas ele tampouco tinha qualquer liberdade.

Não apenas isso; se ele demonstrasse qualquer sinal de rebeldia, era certo de que acabaria recebendo uma descarga elétrica forte o bastante para fazê-lo convulsionar, caído no chão.

Ele passou seus dias comendo alimentos nutritivos, mas que eram ainda mais insossa do que a comida dada aos presos, enquanto fazia exatamente o que os pesquisadores instruíram-no a fazer em quaisquer experimentos que desejassem realizar.

Embora ele houvesse descoberto sua aptidão com o uso de magia da morte, era impossível escapar do laboratório.

Hiroto saturou seu corpo com magia da morte e desesperadamente acumulou energia em suas mãos. Completamente inepto com qualquer outro atributo e através de puro esforço, ele envolveu a si mesmo naquela magia.

Ele desenvolveu inúmeras formas de usar sua habilidade, contribuindo ao laboratório, aos pesquisadores e às nações às quais eles pertenciam. Entretanto, até o amargo fim, os esforços de Hiroto não foram recompensados.

Os pesquisadores estavam cientes de sua utilidade, mas eles igualmente temiam a sua insubordinação. E conforme a serventia dele crescia, esse medo também aumentou.

Os explosivos em seu corpo estavam enterrados não apenas em seu coração, mas também no cérebro. Seu torso abrigava um GPS para impedir que ele escapasse. Seu olho direito havia sido substituído por um olho artificial contendo uma câmera especial, e uma escuta foi plantada tanto em sua boca quanto em suas orelhas para captar até mesmo o menor dos sussurros.

Seu consumo de comida era limitado de modo que ele nunca desenvolvesse mais força física do que o necessário. Seu quarto era pequeno e ele não tinha a permissão de deixá-lo, não fosse para ajudar com os experimentos.

Para torná-lo mais apto a utilizar magia da morte, ou aumentar o tamanho de sua reserva de mana — seu corpo foi reconstruído por inúmeros motivos.

Para garantir que ele não conseguiria um aliado improvável que pudesse ajudá-lo a escapar ou a planejar uma insurreição, os guardas que o vigiavam e os operadores que repassavam as ordens para eles eram rotacionados com frequência, de modo que Hiroto não permanecesse em contato com um indivíduo em particular por muito tempo.

Por fim, eles realizaram um procedimento inumano em seu cérebro, cortando o controle do mana de seu corpo e o transformando em uma marionete.

Nessa época, Hiroto não tinha nem dez anos de idade. E, desse momento em diante, ele passou mais dez anos em um inferno que o impedia de mover sequer um único dedo por vontade própria.

Mesmo após uma década nessa situação miserável, a mente de Hiroto não quebrou. Uma das razões para isso não ter acontecido eram as almas dos mortos que, atraídas pela magia da morte, se aproximavam dele, sussurrando palavras de conforto em seus ouvidos. O outro motivo é que ele sempre teve esperança de que eles viriam resgatá-lo desse inferno.

Entretanto, Hiroto morreu.

Ele foi incapaz de suportar os experimentos descuidados chefiados pelos novos pesquisadores, que estavam tentando superar os resultados produzidos por seus predecessores.

Era irônico que, através da morte, Hiroto reencontrou sua liberdade. Através da morte do corpo, a alma recobrou controle sobre seu mana.

Hiroto transformou seu próprio corpo em um morto-vivo e caiu num abismo de frenesi atormentado, alimentado unicamente por seu ódio.

Ele rasgou aqueles que brincaram com sua vida em pedaços e espremeu os pesquisadores que imploravam para serem poupados como se fossem retalhos de trapo quebradiços. Ele brincou com as vidas dos funcionários militares ao matá-los.

Enquanto Hiroto continuava imerso em seu frenesi após matar todos no laboratório e insatisfeito com sua vingança, rostos familiares apareceram diante dele.

— Oh! — A voz de Hiroto se elevou em alegria quando ele avistou todas aquelas pessoas, seus rostos familiares e nostálgicos.

Eles estavam um pouco diferentes, mas a grande maioria certamente eram seus colegas de classe durante sua vida passada. Alguns deles eram até mesmo professores.

Naruse Narumi também estava entre eles.

Esses eram os companheiros de Hiroto que reencarnaram em Origem junto com ele. Eles eram sua esperança.

Um dia eles iriam definitivamente encontrá-lo; eles definitivamente iriam vir resgatá-lo. Pelos últimos vinte anos, Hiroto nunca deixou de acreditar nisso.

Eles estavam um pouco atrasados, mas ele não tinha o costume de reclamar.

 “Vamos celebrar nosso reencontro, vamos refazer nossas segundas vidas! Eu estou certo de que isso é possível agora que todos os nossos amigos estão aqui reunidos”, Hiroto pensou.

Tremendo de alegria, Hiroto deu um passo na direção deles.

— Pessoal, comecem a atacar!

Entretanto, sob o comando de um rapaz que parecia ser o líder de seus companheiros, Hiroto foi bombardeado por uma onda de ataques mágicos disparados simultaneamente.

— Espera! Por que vocês estão me atacando? Eu sou seu aliado, um de seus companheiros!

Os gritos de Hiroto foram abafados por fogo ardente infernal, por lâminas de vento, por gelo perfurante e por relâmpagos devastadores. Hiroto, que se aproximou de seus companheiros sem a intenção de lutar ou se defender, ficou completamente atônito ao tombar, seu corpo mortalmente ferido.

— Isso foi surpreendentemente rápido, considerando que nos disseram que um poderoso morto-vivo havia surgido.

— Bom, há trinta dos cem de nós reunidos aqui. Sem chances que teríamos problemas para lidar com algo assim.

Acima da cabeça de Hiroto, vozes familiares estavam conversando.

Cem pessoas? Cem pessoas, você disse? Não! Há cento e um de nós, incluindo eu, cento e um!

Ele quis gritar essas palavras, mas sua garganta já havia sido cortada; ele não conseguiu nem mesmo gemer.

Seu braço direito estava completamente queimado e enegrecido; seu braço esquerdo havia sido separado de seu corpo e estava jogado em algum outro lugar. Em dado momento, suas pernas acabaram sendo destroçadas; ele só conseguiu enxergar os pedaços de sua perna esquerda no canto de sua visão.

Sua cabeça e seu torso também estavam em um estado deplorável.

— Nós só não tivemos problemas para enfrentá-lo porque esse morto-vivo estava de guarda baixa. Magia da morte… que habilidade assustadora.

Olhando na direção dessa voz com o único olho que conseguia mexer, Hiroto viu Naruse Narumi ali parada. Ela havia amadurecido muito mais do que em sua vida passada, tendo se tornado uma mulher adulta.

— Ele é outra vítima deste laboratório.

Ao lado dela estava um rapaz, o líder que havia comandado o ataque. A julgar pela distância entre eles, Hiroto sabia que esse homem e Narumi eram íntimos um com o outro.

— Eu estou certo de que ele gostaria que nós o matássemos.

— Você tem razão, Hiroto.

Hiroto? Amemiya Hiroto? Esse cara é Amemiya Hiroto? 

— Vamos matá-lo para que ele não precise mais sofrer.

— Essa é a melhor coisa que podemos fazer por ele. Narumi, faremos isso juntos.

Não fode comigo! Por que diabos é você que está aí? Você, que tomou meu poder, meu destino e a minha sorte! Por que você está tentando me matar com uma expressão tão heroica em seu rosto?!

Por que você? Por que diabos tinha que ser você?

A culpa da minha segunda vida ser um desastre é completamente sua! Cem heróis? Você está me tratando como um pária e querendo me matar?!

Hiroto urrou, mas ele foi incapaz de resistir à intensa luz vinda das mãos de Amemiya e Narumi, transformando-se em pó.


— A culpa é toda sua! Você se diz um deus? Segunda vida é o meu rabo! Você me jogou em um inferno ainda pior do que a minha vida passada!

O punho de Hiroto estava envolto de uma substância nebulosa e preta, mas nem mesmo arranhou Rodcorte. Essa era simplesmente a diferença de poder entre um homem e um deus.

— Eu estou ciente de que fiz algo terrível para você.

Repetindo o que havia dito anteriormente, Rodcorte explicou as circunstâncias que ele estava enfrentando para a alma furiosa de Hiroto. A informação foi transmitida para ele diretamente através de um poder divino e penetrou sua mente em um instante.

— Então você está me dizendo que haverá uma terceira vez?

— Exatamente. Isso é algo que já foi preparado desde a sua reencarnação em Origem. Desta vez, você não tem a opção de recusar e eu não posso interromper o processo.

Tratava-se de uma situação absurda e desprovida de sentido, mas para Hiroto esse absurdo era o mesmo que encontrar um barco quando ele mais precisava velejar.

— Entendo… então no próximo mundo, eu vou matá-los! Aqueles que acabaram com a minha vida, eu não permitirei que nenhum sobreviva! Eu morri primeiro, certo? Sendo assim, eu irei reencarnar primeiro. Desta vez sou eu quem irá matá-los!

Eu vou me tornar um adulto antes deles, acumularei poder e então irei encontrar Amemiya Hiroto e os outros enquanto eles ainda forem crianças para matá-los! Isso deve ser possível mesmo para mim, que não tem nenhuma capacidade extraordinária.

— Então ande logo, Deus! Me dê todas aquelas coisas que você nos prometeu da última vez. Desta vez, você tem um destino para me dar e pode me abençoar com boa sorte, certo? Afinal, eu morri primeiro. Sem chances que você vai me confundir com outra pessoa novamente, não é mesmo?!

— Eu não tenho nada para te oferecer.

Como se estivesse gentilmente empurrando a alma de Hiroto, o deus pressionou a palma de sua mão contra o rapaz.

— Que?

Simples assim, Hiroto começou a acelerar e cair em direção ao desconhecido.

— Na atual situação, tudo o que posso fazer é acrescentar algo menor. Eu não posso te dar um novo poder.

— Por que? Eu sou o único que não vai ter nada novamente, como isso é possível? — gritou Hiroto.

— Porque eu não posso permitir que os outros sejam assassinados por você.

Rodcorte falou com Hiroto enquanto ele se distanciava cada vez mais, pedindo desculpas:

— Se você matá-los, o desenvolvimento daquele mundo vai ser prejudicado. Sua morte em Origem foi o resultado de uma grande dose de infortúnio. O mesmo vale para o fato de que Amemiya Hiroto e os seus companheiros não notaram a sua existência até o fim. E ainda que eu te diga isso, você não ficaria satisfeito.

Após Hiroto morrer no navio, antes de ser reencarnado, ele estava parado na periferia de onde todas as almas estavam aglomeradas. Por conta disso, ninguém viu Hiroto.

Além do mais, havia apenas uma única pessoa que recusou reencarnar em um novo mundo.

E, por fim, ele foi a última pessoa a ser reencarnada.

Por conta disso, Amemiya Hiroto e os outros provavelmente explicaram a sua ausência pensando em coisas como “ele deve ter sobrevivido de alguma maneira e não morreu conosco” ou “ele deve ter recusado a oferta de reencarnação, como aquela outra pessoa”.

Para completar, os diversos experimentos feitos no corpo de Hiroto alteraram completamente o formato de sua face, ao ponto de que nem mesmo Narumi foi capaz de reconhecê-lo.

— Todo esse infortúnio foi causado por minhas ações desastrosas. Eu desejava que você pudesse viver de maneira esperançosa, sem desistir ou guardar ressentimentos por outros, mas as situações de seu nascimento te colocaram em um caminho que tornou isso algo impossível. Através da descoberta do atributo da morte e o desenvolvimento de um novo tipo de magia, você contribuiu imensamente para o progresso de Origem. Eu espero que você possa me perdoar por ser incapaz de te recompensar e ainda por cima ter que forçá-lo a aguentar uma terceira vida de infelicidade.

Mas mesmo conforme a alma de Hiroto se distanciava cada vez mais, Rodcorte conseguia senti-lo dizendo que isso nunca seria perdoado.

— Portanto, tudo o que eu posso fazer é forçá-lo a desistir dessa vingança tola antes que você cometa algum pecado e esperar que você acabe rapidamente com a sua própria vida.

Na palma da mão de Rodcorte, algo parecido com uma esfera feita de lama apareceu. No momento seguinte, ela atingiu o corpo de Hiroto.

— Quê?!

Enquanto Hiroto gritava em agonia diante da dor intensa, Rodcorte disse:

— Isso é uma maldição que não pode ser dissipada. Com ela, você nunca será capaz de adquirir novos poderes mesmo nesse novo mundo. Entretanto, eu te prometo que em sua quarta vida eu irei apagar todas as suas memórias dolorosas e te colocarei de volta no ciclo normal de transmigração.

Sem tempo para protestar contra a promessa indesejável de Rodcorte, a mente de Hiroto apagou.


[1] O Rio Sanzu é um local mitológico da tradição budista japonesa, um rio envolto por névoa que separa o mundo dos vivos do mundo dos mortos.

[2] É o dinheiro dado à família do falecido após sua morte, costumeiramente pelo governo. É recebido pelo parente mais próximo e, nesse caso, ficaria para o tio de Hiroto.

[3] Neste caso em específico, o nome de ambos é parecido e pronunciado de maneira praticamente idêntica, mas o kanji usado na escrita é diferente. O tradutor ao idioma inglês denotou isso trocando uma das letras do sobrenome e, aqui na tradução em português, farei o mesmo.


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Jupiter
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Jupiter
1 ano atrás

Que deus maldito, veio, espero que logo logo ele mate ele, mate todos, fazia tempo que não sentia tanta raiva, espero que ele faça do inferno esse novo mundo

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