A casa de três andares localizada no nordeste de Aldersberg tinha um telhado verde e janelas brancas, a cerca que a rodeava, formando um largo quintal, tinha um sinal pendurado lateralmente na porta da frente. No lado esquerdo do pátio havia um campo onde se plantavam vegetais sazonais, vinhas amarelas rastejavam ao longo da parede ao lado. Atrás delas, havia rabiscos coloridos, feitos por crianças.
Um Choupo de mais de doze metros de altura estava no centro, os seus galhos densos cobrindo metade do pátio e a casa. Uma longa mesa que suportava vinte pessoas estava debaixo da árvore, mas parecia surrada, obviamente danificada pelos elementos. Roy observou a área debaixo do Choupo por algum tempo. Algo mexeu com ele quando acariciou a casca da árvore. Essa árvore tem pelo menos cem anos, e esses sinais estranhos… Devem ter sido as crianças malcriadas que fizeram isso.
Roy abriu gentilmente a porta de madeira no primeiro andar, e ouviu a voz suave de uma mulher vindo de dentro da casa. O que o recebeu foram as crianças sentadas em silêncio e uma mulher magra, de meia idade escrevendo num quadro negro com giz.
“A nossa nação, Aedirn, é localizada no leste de Mahakam, vizinha de Temeria. Lyria e Rivia estão situadas no sul de Aedrin, enquanto Kaedwen está no norte, e Blue Mountains no leste. O rei de Aedirn é, o atual, Demavend III, filho de Virfuril. O brasão da cidade é uma ponta de flecha dourada-vermelha com um fundo negro. Vengerberg é a sua capital”. A mulher fez uma pausa por um momento. “Desde eras passadas, Aedirn tem sido a nação com maior ocorrência de movimentos camponeses. Os revolucionários têm lutado ferozmente contra os nobres e a realeza para mudar o cruel sistema fiscal…”.
Roy franziu as sobrancelhas depois de ouvir isso. Alguma coisa parece errada.
“Alguém está bisbilhotando, Senhorita Cardell!” Um jovem loiro magro sentado no fundo levantou a mão, interrompendo a professora, e sessenta pares de olhos brilhantes deslocaram os seus olhares para o rapaz à porta. Metade das crianças eram meninos, e as outras eram meninas. Os mais novos tinham cerca de cinco ou seis anos, enquanto os mais velhos tinham catorze ou quinze. A maior parede deles eram magros e estavam em trapos. Alguém muito mais velho do que as crianças, estava sentado no fundo, e ela sorriu quando viu o menino.
“O que o traz aqui, Roy?” Vivien acenou para ele. Ela obviamente vestia um traje muito mais conservador do que quando esbarrou com Roy. Vivien estava com um vestido cinzento liso, o seu cabelo vermelho-vinho amarrado num rabo de cavalo, parecendo muito mais jovem.
Roy hesitou por um momento, e depois se sentou ao lado dela. “Tross disse que você era professora na Casa de Cardell. Havia algo que eu queria aprender, por isso vim”.
Vivien balançou a cabeça em aprovação. “Boa decisão, o conhecimento é a única forma de mudar o seu destino. Bem-vindo à Casa de Cardell”.
“Eu sou o Tom. Olá Roy”. O garoto que o denunciou estendeu a mão calorosamente, as suas feições contraíram enquanto ele lhe dava um sorriso cheio de dentes. Foi um sorriso amigável, mas divertido. Roy apertou sua mão.
“Fiquem em silêncio, crianças. Leiam a sua lição de história, eu vou sair para uma conversa”. A mulher de meia idade levou Roy ao escritório no segundo andar. “Pode me chamar de senhorita Cardell, criança. Qual é o seu nome? Imagino que esteja aqui para aprender o vocabulário comum?”
Roy balançou a cabeça. “Eu sou Roy, e não sou daqui. Posso ser admitido?” Ele perguntou nervosamente. Ele não queria ter vindo de tão longe só para descobrir que foi tudo em vão.
“Acolhemos qualquer pessoa com menos de dezesseis anos, e você parece encaixar nisso. A taxa será de vinte coroas por mês, e terá de trabalhar comigo para eu poder registrar os seus dados pessoas, certo? A maioria das pessoas aqui são crianças”. Cardell tinha um olhar caloroso, mas o seu nariz grande e curvo, rugas e lábios finos faziam ela parecer extremamente severa. “Tenho outra pergunta, você tem dinheiro o suficiente?” Cardell tinha dúvidas, como a maioria dos estudantes era acompanhado dos pais.
“Eu trabalho no mercado, por isso tenho dinheiro o suficiente para as taxas. Ah, sim, senhorita Cardell, e é também por isso que eu só posso vir ao meio-dia”. Vinte coroas, era muito mais barato do que Roy tinha em mente. Ele já tinha o suficiente para pagar mesmo sem o seu emprego.
“Faça como quiser. Desde que consiga acompanhar o ritmo”. Cardell seu formulário de registro no armário embaixo da escrivaninha assim que ela terminou.
Roy olhou para as pilhas espessas de formulários ordenados no armário. Assim que pagou a taxa, voltou para a sala, e o seu lugar entra entre Vivien e Tom. No momento em que entrou, Roy reparou em alguns olhares pouco amigáveis em sua direção. Então nem todo mundo gostou de mim aqui.
Alguns garotos corpulentos sentados no canto superior direito lançaram olhares hostis quando notaram a sua entrada. Os rapazes mais velhos tinham olhares de inveja e alerta, dizendo a Roy para se afastar dos seus queridos brinquedos. Roy não se preocupava com eles, pois não via necessidade de lutar com um bando de pirralhos. Vinte coroas por mês, e os habitantes locais pagam uma taxa mais baixa. Será que eles dirigem esse negócio apenas por caridade? O dinheiro mal chega a pagar a comida nessa área. Roy fez uma estimativa e notou que tinha sessenta e cinco estudantes na sala – sem incluir ele e os dois professores, que eram Vivien e Cardell.
Só a comida já gastaria muitas coroas, tornando a educação quase gratuita, e eles até providenciavam alojamento para crianças especiais.
“No que está pensando, Roy?” Vivien olhou para ele, preocupada. “Não consegue se acostumar ao lugar?”
“Acho que está tudo bem”, ele sussurrou. “São todos da Cidade Baixa?”
“Sim, de famílias comuns”. Ela sorriu. “Tente se dar bem com eles, e não intimide eles só porque você é mais velho. Me pergunte se precisar de qualquer coisa”.
Roy acenou com a cabeça e começou a estudar. A escola era bem humilde, não haviam mesas e nem cadeiras. Os alunos se sentavam em tapetes em fileiras. Não havia penas ou tinta, apenas fuligem do carvão usado. Os papéis eram de qualidade inferior, feito de grama. Era isso ou escrever no chão, apagando e escrevendo novamente. As condições não eram boas, mas as aulas também não eram fáceis, por isso os alunos estavam extremamente concentrados.
Depois de ensinar os novos alunos durante um tempo, Cardell começou a ensinar as noções básicas do vocabulário comum do norte. Foi uma nova língua que nasceu após a Conjunção das Esferas. O alfabeto e a gramática eram semelhantes às línguas eslavas da sua vida passada.
Roy se sentiu bizarro – como se tivesse retornado ao seu antigo mundo. Por um momento, ele pensou que era um estudante jovem sentado na sua sala de aula enquanto as aulas prosseguiam novamente. O Roy original viveu nesse mundo durante anos, dando-lhe um grau de compreensão da língua local. Até certo ponto, aumentou a sua eficiência de aprendizagem.
O pensamento maduro e a inteligência de Roy, bem como a sua perspicácia, foram também de grande ajuda. O seu espírito que excedia o de um ser humano normal permitiu a ele ficar concentrado por mais tempo. Mais importante ainda, ele foi alguém que passou por um sistema de educação extenuante na sua antiga vida. Ele não perderia para ninguém no mundo dos bruxos quando o assunto era rotina de aprendizagem.
Graças a essas razões, houve uma reação em cadeia, que facilitou a aprendizagem da nova língua para o Roy.
…
Quando era quase meio dia, as longas mesas debaixo do choupo estavam cheias de pessoas da Casa de Cardell. A brisa do outono soprava sobre a colina fumegante, e o aroma soprava sobre o quintal, fazendo as tranquilas crianças engolirem a própria saliva. No entanto, nenhuma delas deu um passo, estavam olhando para a mulher de meia idade, à espera do seu comando.
Cardell se levantou, como se ela fosse um comandante encarando seus soldados antes da guerra. Ela acenou com aprovação para as crianças e disse: “O profeta Lebioda acendeu três chamas para o povo. Uma é justiça, a outra é igualdade e a última são as chamas dos sonhos. Cada criança aqui tem um sonho”. Ela deu lições sobre os sonhos e o que eles significavam. “Os nossos pais e os seus pais sempre foram fazendeiros. Aproveitem a comida que eles ganharam com o seu suor e sangue”.
Cardell acenou para a frente, e todos à volta da mesa avançaram em direção à comida. Todos comiam pães duros, sopa de legumes, picles e carne seca de peixe. Não era ótimo, mas eles não podiam escolher. Os estudantes enchiam a boca de comida, como se fosse ser tomada se comessem um pouco mais devagar.
Roy estava comendo lentamente no início, mas ficou surpreso com a intensidade com que as crianças lutavam pela comida. Influenciado pelo gosto, ele comeu inexplicavelmente mais rápido. Os pequenos nem demoraram quinze minutos para terminar toda a comida. Nem uma única boca cheia de sopa sobrou. Até as folhas que caíram nos pratos foram devoradas por um pequeno pestinha.
Mas Roy estava só meio cheio, e ele podia sentir que a maioria dos estudantes sentia o mesmo. Tom franziu seus lábios. Era muito magro para ganhar contra as outras crianças, apesar de sentar no centro. Roy teve de dizer que esse era o melhor almoço que tinha comido, era ainda melhor do que o banquete que Seville lhe deu. A melhor refeição é aquela que você batalhou por, né?”
De repente, Roy pensou que havia outro significado no discurso que Cardell tinha lhes dado antes do almoço. Era um discurso de justiça e igualdade, mas ela deixou as crianças lutarem pela comida depois disso. Será que ela já ensinou a eles a dura realidade da vida mesmo sendo tão jovens?
…
Os estudantes fizeram uma pequena pausa após o almoço, e se dividiram em dezenas de pequenos grupos, brincando de caça ou conversando no pátio. Todos sorriam, e mais uma vez, Roy pensou estar de volta às aulas de Educação Física como na sua antiga vida. Ele não podia acreditar que existia um lugar pacífico como a Casa de Cardell num mundo mágico onde a revolução estava a todo vapor. Roy ficou impressionado.
Mesmo assim, a perturbação se agitava mesmo num lugar tão pacífico. Enquanto alguém fosse popular no grupo, alguém seria impopular. Um deles era o Tom, o menino que tinha dito olá. Ele estava sozinho no canto, mexendo com os dedos, olhando para as outras crianças com anseio.
“Não vai brincar com eles, Roy?” Um cheiro perfumado o atacou, e Vivien se aproximou dele, com o seu olhar encorajador.
Um calafrio correu pela espinha do Roy, e ele balançou a cabeça. “Não temos nada em comum, mas e quanto ao Tom? Ele parece triste.
“Tom… Tom é um órfão. Ele não é como as outras crianças que têm pais amorosos. A escola é a sua casa”. Ela suspirou. “E ele é muito frágil, por isso, as crianças maiores continuam atacando-o, isolando-o”, disse ela solenemente. “A diretora Cardell e eu tentamos repreender eles, mas não adiantou. Temos muitas coisas para cuidar, por isso não podemos manter os olhos nele. E nós não cuidamos o suficiente dele”.
“Então ele é uma criança abandonada”. Roy balançou a cabeça. Bullying era um assunto sério na sociedade moderna, quanto mais numa escola pobre como a Casa de Cardell.
Eles tiveram mais meia hora para descansar depois do intervalo, e então começaram as aulas de Vivien. Incluía matemática simples, dicas para facilitar a vida, e o significado das palavras no vocabulário comum. Quando uma lição entediante era ensinada por uma senhora gentil e linda, ela se tornava interessante. Pelo menos os meninos com Roy nem piscaram os olhos enquanto ouviam.
…
Assim que o relógio chegou às cinco horas, os pais gradualmente foram à Casa de Cardell para levar os seus filhos para suas devidas casas, para a cidade baixa. “Será que é seguro? Será que os traficantes de seres humanos da Tríade Sparrow não vão atacar as crianças?” Roy foi até Vivien enquanto olhava na direção em que eles saíam.
“Eles sequestraram uma garota há cinco anos, da escola. Alguém viu o corpo dela na vala no dia seguinte. Os seus pais, completamente desesperados, gastaram todas as suas poupanças para comprar óleo de carvão e incendiaram uma das suas bases durante a noite. Foram para a base em chamas e se queimaram juntos com os membros da Tríade que estavam dormindo. Ainda me lembro do momento em que as suas carcaças carbonizadas foram retiradas das ruínas”. Vivien ainda estava chocada, apesar de já terem passado alguns anos desde então. “A partir daí, a escola e todos na cidade pressionaram a Tríade. Até o Barão Tavik foi notificado sobre o assunto. A Tríade Sparrow fez algumas concessões e nunca mais fez nada do tipo”.
Roy se lembrou do que Seville lhe disse. “A fúria de um bom homem pode demolir completamente as montanhas de Mahakam”. Certo, essa é outra história que posso contar à Toya essa noite.
“Venha, Roy.” Vivien segurou seu braço, arrastando-o para a sala de aula. “Esse é o seu primeiro dia, por isso deve haver muitas coisas que você não entendeu. Vou ensiná-lo novamente”.
Roy ficou surpreso por ela fazer isso. Tinha a sensação de que Vivien era muito simpática com ele desde que tinham se conhecido, mas não pensava muito nisso. Ficou mais do que feliz por dominar o vocabulário comum, mais cedo ou mais tarde.
“Oh, por que voltou, Roy?” Tom, que estava olhando para as outras crianças, se aproximou dele e pegou em sua outra mão. Seu cabelo dourado balançava com o vento, e ele sorria com os dentes, parecendo um cachorrinho que estava feliz com o retorno de seu dono. “Também não tem um lar? Por que eu não brinco com você?”
Vivien puxou sua orelha, e ele chorou de dor. “O Roy vai rever a lição de hoje, Tom. Já que também está aqui, vai rever com ele”.
Tom congelou e tentou lutar para se libertar, mas foi em vão. Vivien o arrastou pela sala de aula segurando seu ouvido. “Você ficou reclamando sobre ficar sozinho, né? Então agora você vai aprender com o Roy todo dia depois das aulas”.
Os lamentos do menino foram enviados para os céus junto com a brisa de outono. Os galhos do choupo rangeram junto com o vento, e as suas folhas amareladas caíram no silêncio do crepúsculo.