Nick e Ghosty se encararam por um momento.
Naturalmente, ambos estavam bastante surpresos.
Ghosty achava que estava prestes a ver um Espectro, enquanto Nick não esperava que outra pessoa soubesse de seu novo status como Espectro.
Quando o Técnico viu as reações deles, coçou a nuca de forma desconcertada.
Então, várias janelas surgiram em sua Barreira e, um segundo depois, ele suspirou.
— Eu realmente devia ler mais — comentou.
Nick olhou para o Técnico. — Devia mesmo.
Ghosty ficou um pouco surpreso com o tom casual de Nick ao falar com o Técnico.
Claro, os pesquisadores falavam de maneira bem informal com o Técnico, já que ele não se importava com formalidades performáticas, mas geralmente as pessoas não usavam esse tom casual com um Escudo.
O Técnico continuou coçando a nuca enquanto olhava para Ghosty.
Originalmente, o Técnico não planejava revelar a identidade completa de Nick ao seu assistente.
Ele apenas diria que Nick era um Espectro artificial.
Não pretendia contar a Ghosty que Nick havia sido humano ou que já havia trabalhado para a Égide no passado.
Mas, como os dois já se conheciam, isso não funcionava mais.
No fim, o Técnico tomou uma decisão.
Deu de ombros.
— Bem, tanto faz — disse. — Você já assinou o contrato de pesquisa mesmo. Talvez isso até seja algo bom.
Naturalmente, o Técnico não queria que Ghosty soubesse de tudo isso, mas o segredo já havia escapado da caixa.
Era melhor simplesmente aceitar.
Quando Ghosty percebeu a decisão do Técnico, sentiu certo alívio.
Não era visível externamente, mas Ghosty sabia que se livrar dele poderia ter sido considerado uma opção válida.
Se revelar esse segredo fosse um perigo maior que suas futuras contribuições, eliminá-lo faria sentido do ponto de vista econômico.
Depois de aceitar sua nova chance de continuar vivo, Ghosty se concentrou em Nick.
— Então, você é um Espectro, certo? — perguntou Ghosty.
Nick lançou um olhar para Ghosty com as sobrancelhas franzidas.
Naquele momento, Ghosty pôde sentir sua mente enviando uma resposta de medo ao seu corpo, o que o fascinou.
Da última vez que Ghosty tinha visto Nick, ele era um Perito Iniciante, enquanto Ghosty ainda era um Especialista no Pináculo.
Agora, Ghosty havia se tornado um Herói Iniciante e estava a caminho de se tornar um Herói Básico.
E mesmo assim, Ghosty conseguia perceber que Nick era um perigo real para ele.
Na verdade, Nick parecia tão perigoso que Ghosty se sentia quase impotente.
Claro, mesmo sentindo tudo aquilo, sua mente poderosa mantinha controle total da situação, e ele observava seus sentimentos com pura fascinação.
Era tão interessante!
Enquanto isso, quando Nick olhou para o Técnico, o Técnico apenas deu de ombros.
O estrago já estava feito.
— Sim, eu sou um Espectro — respondeu Nick.
— Interessante — disse Ghosty, aproximando-se de Nick enquanto o observava atentamente.
Era como se Ghosty estivesse procurando por arranhões no novo objeto de pesquisa que acabara de receber.
— Você sempre foi um Espectro? — perguntou.
— Não — disse Nick. — Da última vez que nos vimos, eu ainda era humano.
Um brilho surgiu nos olhos de Ghosty.
Fazia muito tempo que algo não o fascinava tanto assim.
— Então, você se transformou em um Espectro? — perguntou.
Nick lançou outro olhar ao Técnico.
— Está tudo bem — disse o Técnico. — Pode contar tudo para ele. Só não solte grandes segredos de uma vez, sem preparação. Se você for falar de algo que deve permanecer em segredo, quero ter a chance de interromper. E mantenha as descrições da Boca ao mínimo.
Nick assentiu.
Nunca tinha recebido instruções para ser dramático por questões de segurança antes.
— Depois que você saiu da Cidade Carmesim, eu me tornei o Intermediador.
Nick contou a Ghosty sobre seus cinco anos como Intermediador.
Ghosty não tinha mais nenhum contato com a Cidade Carmesim, já que simplesmente não era possível manter contato com uma cidade do outro lado do planeta.
Quando Ghosty ouviu sobre o que a Cidade Carmesim havia se tornado, mal pôde acreditar.
Sim, tudo aquilo fazia sentido lógico.
Sim, tudo isso era teoricamente possível.
Mas não era assim que as coisas normalmente aconteciam.
Inúmeras coisas poderiam ter dado errado.
Se qualquer pessoa concentrasse tanto poder assim, quase sempre tudo acabava mal.
Poder sem controle era extremamente perigoso, e havia um bom motivo para que os Governadores não fossem poderosos o suficiente para destruir suas cidades sozinhos em caso de conflito.
Se a Égide quisesse isso, teria feito dos Agentes os Governadores e dos Governadores os Agentes.
Claro, teoricamente, um ditador benevolente poderia alcançar muito mais do que um grupo benevolente de pessoas, mas isso era apenas teoria.
Isso simplesmente não acontecia.
O quê? Um cara que lutou desesperadamente por poder até se tornar a pessoa mais poderosa era egoísta e não pensava muito nos outros? Ninguém poderia ter previsto isso!
E mesmo assim, Nick realmente tornou aquele cenário hipotético real.
Ele realmente tentou melhorar a vida das pessoas pobres e arriscou sua vida em uma luta contra a elite.
Mais ainda, ele realmente venceu.
Ghosty sentia como se estivesse ouvindo um conto de fadas.
Como isso era algo que realmente aconteceu?
Depois de falar sobre a Cidade Carmesim, Nick contou um pouco sobre seu tempo no campo de treinamento, mas aquilo não era relevante para o assunto.
Por fim, Nick falou sobre seu Consumo, e quando Ghosty ouviu que Nick tentou consumir um Ancião no Pináculo, ele se recusou a acreditar.
Aquilo era impossível.
Era literalmente fisicamente impossível vencer um Ancião no Pináculo durante o processo de Consumo.
Era como tentar competir com uma máquina teórica em vácuo usando uma máquina real com partes físicas existentes no mundo real.
Uma tinha 100% de eficiência, enquanto a outra precisava lidar com incontáveis pequenas interferências.
Mas quando Nick falou sobre o fim do seu Consumo, Ghosty percebeu que aquilo realmente era possível.
Sim, se o Espectro cedesse, era possível.
Acontece que ninguém jamais havia conseguido fazer um Espectro ceder.
Quando Nick contou sobre o momento em que seu Sincronizador Zephyx foi encapsulado por um Núcleo de Espectro, Ghosty continuou fazendo pergunta após pergunta.
Eventualmente, Nick lhe disse que todos aqueles experimentos mentais eram irrelevantes, já que aquilo já não representava mais o estado atual.
Por fim, Nick falou sobre a Boca, mas omitiu quase 90% de tudo que envolvia aquele evento.
Nesse ponto, o Técnico também se interessou.
Afinal, ele não havia tido a chance de experimentar em Nick desde a fusão.
Nick mal conseguia terminar uma frase antes de ser bombardeado por mais uma pergunta.
Após cerca de 30 minutos apenas respondendo perguntas, Nick percebeu que aquilo talvez não devesse ser a prioridade no momento.
— Técnico — disse Nick. — Acho que podemos conversar sobre tudo isso mais tarde. Existem coisas que exigem atenção imediata.
Por uma fração de segundo, o Técnico ficou perplexo.
Algo mais importante do que sua pesquisa?!
Mas ele logo percebeu que Nick estava certo.
— Certo — disse o Técnico antes de suspirar. — Política.
Nick assentiu.
O Técnico lançou um olhar para Ghosty, que entendeu imediatamente.
Ghosty assentiu e saiu da sala.
Agora, restavam apenas Nick e o Técnico.
— Muito bem — disse o Técnico. — Você estava infiltrado, certo?
Nick assentiu.
Então, contou ao Técnico sobre a vez em que entrou em contato acidental com a Ira.
Nick contou tudo que sabia sobre a Ira e qual era seu trabalho como assassino dela.
— Isso é bem inteligente — disse o Técnico. — Você se livrou de outras influências, plantou a sua própria influência e agora pode eliminar essa influência com um único golpe. Podemos lidar com quase dez Demônios de uma vez, e eles nem terão chance de se preparar ou reagir aos nossos ataques.
Nick assentiu. — Eu sei exatamente quem trabalha para a Ira e se há algum humano aliado a ela de forma consciente.
Naturalmente, sempre que a Égide descobria que uma cidade estava secretamente sob controle de um dos Corruptores, era sempre um grande problema determinar se o Governador sabia disso ou não.
Governadores eram todos, no mínimo, Heróis Básicos, e matar um Herói Básico inocente era algo muito grave.
Porém, se pouparem um Herói Básico culpado, a cidade poderia muito bem cair novamente sob o controle de um Corruptor e, dessa vez, fariam um trabalho ainda melhor escondendo sua influência.
— E quanto à Cidade Grande Extratora? — perguntou o Técnico.
— O que tem ela? — respondeu Nick.
— Ela parece um pouco diferente das outras cidades. Você disse que um dos principais motivos para fazer o trabalho da Ira era que também podia melhorar a vida das pessoas. Introduzir a Ira na Cidade Grande Extratora não parece algo que melhoraria a vida das pessoas — disse o Técnico. — Posso imaginar algumas razões, mas quero saber qual é a real.
— Várias razões — disse Nick.
— Primeiro de tudo, eu queria me livrar de um dos maiores bastiões de um dos Corruptores. Isso os deixa expostos a mais ataques de outros Corruptores. Quanto mais conflito houver, maior a chance da Égide testemunhar o caos resultante e descobrir a corrupção da cidade.
— Segundo, eu já estava planejando voltar para a Égide de qualquer forma. Se eu lidasse com a cidade, teria contatado a Égide. A cidade já estaria limpa nesse ponto. No entanto, eu também poderia simplesmente contatar a Égide durante a missão. O resultado seria o mesmo. Só exigiria mais investigação por parte da Égide.
— Terceiro — disse Nick, com os olhos se estreitando.
— Eles são egoístas.