— Egoístas? — perguntou o Técnico com interesse. Ele já imaginava o que Nick queria dizer com aquilo, mas queria ouvir diretamente se Nick pensava da mesma forma.
— Embora o povo comum não viva em condições que a maioria das pessoas consideraria ideais, essas são as condições em que eles querem viver — disse Nick. — Não é uma questão de não conseguirem melhorar de vida por impotência, mas sim de uma escolha voluntária.
— Nesse caso, o povo não sofre muito. Em termos de felicidade, a cidade provavelmente é até uma das melhores.
— Mas eles não estão contribuindo com a humanidade — acrescentou Nick.
O Técnico fez um gesto para que Nick continuasse.
Naturalmente, o Técnico estava extremamente interessado na ideologia de Nick e em seus sentimentos como Espectro.
Nick ainda conseguia sentir coisas?
Estava mentindo?
Por que estava tomando decisões?
Ainda pensava como um humano?
— Existem duas coisas que os humanos querem. Eles querem sobreviver e querem ser felizes — disse Nick. — Algumas pessoas preferem a sobrevivência à felicidade. Elas prefeririam viver 80 anos em condições precárias a morrer cedo. Mas também há quem prefira morrer jovem e feliz em vez de velho e miserável.
— Os dois grupos podem viver da forma que quiserem.
— No entanto, a humanidade como um todo ainda precisa sobreviver.
— É sua decisão se não quer ter filhos e morrer jovem depois de gastar todo seu dinheiro, mas há provas incontestáveis de que, se todos agissem como você, a felicidade morreria com a sua geração.
— Isso significa que você tem que ter filhos agora? Claro que não.
— Porém, embora você tenha poder sobre sua própria linhagem e sua própria vida, a humanidade como um todo ainda precisa garantir que continuará existindo.
— A Cidade Grande Extratora era feliz, mas também tinha vários Heróis Intermediários e até Avançados que tinham poder para ajudar muitos outros humanos.
— E mesmo assim, eles apenas permanecem lá, sem fazer nada.
— Claro, essa é a explicação moral refinada — acrescentou Nick. — Mais precisamente, eu só odeio quando as pessoas apenas recebem e não retribuem.
— Se alguém quiser argumentar que são uma cidade independente e que não precisam ajudar ninguém de fora, eu tenho uma proposta simples como resposta.
— Tudo bem, se não querem ajudar a Égide, podem ficar com seu Zephyx, e a Égide vai deixá-los por conta própria.
— Quero ver essa cidade resistir quando um Caído aleatório os escravizar dentro de um ano.
— Vamos ver o quão felizes e independentes vocês continuam sendo — disse Nick com irritação fria.
O Técnico assentiu algumas vezes, interessado, enquanto analisava Nick.
Embora Nick fizesse argumentos lógicos, havia sinais evidentes de emoções e vieses em suas palavras.
Em resumo, ele soava como um humano.
— Certo — disse o Técnico. — Você se importaria de me dar um registro escrito de todas as cidades e quaisquer pessoas de destaque?
Nick assentiu, mas antes que pudesse começar a conjurar papéis, o Técnico fez outra coisa.
Nesse momento, ele sorriu com orgulho e colocou um pequeno dispositivo sobre uma mesa próxima. — Tente isto — disse.
Nick olhou para o dispositivo com a sobrancelha arqueada e o tocou.
Parecia um pouco com uma Barreira, mas havia algumas diferenças.
Nick interagiu com o dispositivo e, um momento depois, uma tela foi projetada no ar diante dele.
Era o mesmo tipo de tela usado por uma Barreira da Égide.
Aprender a escrever nessas telas não era fácil, já que funcionavam lendo ondas de Zephyx emitidas, mas, se dominadas, a escrita se tornava muitas vezes mais rápida e eficiente.
Naturalmente, Nick não possuía Zephyx humano, o que significava que, teoricamente, não conseguiria interagir com esses dispositivos.
Mas, como o Técnico havia dito para tentar, ele tentou.
Inicialmente, a tela apenas distorceu um pouco, mas então letras começaram a aparecer.
Nick lançou um olhar para o Técnico, que mantinha um sorriso presunçoso no rosto.
Então, Nick pegou o dispositivo, virou-o e abriu a carcaça externa sem danificá-lo.
Nick observou o interior e pôde entender como alguns componentes funcionavam, mas a maioria ainda estava além de seu nível.
Ele sabia bastante sobre Zefologia, mas isso não significava que podia simplesmente olhar para uma máquina e entender imediatamente o que ela fazia.
Nick não era um engenheiro.
No entanto, quando decompostas, todas as máquinas apenas seguiam os princípios da física, e algumas partes eram mais fáceis de entender que outras.
— Você removeu a segurança de entrada — disse Nick com um tom levemente surpreso.
O Técnico ficou satisfeito por Nick ter percebido algo assim.
Se não precisasse explicar o básico, a conversa se tornava menos trabalho e mais prazer.
— Sim, achei que seria o jeito mais fácil de fazê-lo funcionar para um Espectro — disse o Técnico.
Nick olhou para as outras partes.
Não sabia o que a maioria fazia, mas sabia que não era tão simples quanto apenas remover a segurança de entrada.
Todas as peças esperavam leituras e valores específicos, e introduzir um tipo diferente de Zephyx era como tentar fazer um circuito elétrico funcionar usando água em vez de eletricidade como fonte de energia.
Em resumo, quase tudo precisaria ser modificado para que tal mudança funcionasse.
Nick apenas observou o novo dispositivo por um tempo antes de montá-lo novamente.
Perguntar ao Técnico como aquilo funcionava provavelmente tomaria horas.
No fim, Nick ativou o dispositivo novamente e tentou escrever nele.
Ele já havia conseguido escrever em um dispositivo assim antes de se tornar um Espectro, e embora agora precisasse ajustar sua nova emissão de Zephyx para fazer o mesmo, sua grande experiência em manipular Zephyx tornava isso relativamente fácil.
Em dois minutos, Nick já conseguia escrever no dispositivo com eficácia.
Enquanto Nick reaprendia a escrever, o Técnico também anotava algumas coisas em sua própria Barreira.
Depois que Nick dominou a escrita no dispositivo, ele rapidamente escreveu várias páginas de registros sobre todas as cidades com as quais havia interagido.
Quando terminou, o dispositivo piscou, e todas as palavras que Nick havia escrito foram transmitidas para a Barreira do Técnico.
O Técnico leu tudo em um segundo e assentiu com interesse.
— Isso vai ser um golpe forte para a Ira — disse. — Vou enviar para a Helia. Ela vai cuidar disso.
O Técnico fez exatamente isso e voltou a se concentrar em Nick. — Agora que isso já foi tra…
DING! DING! DING!
Naquele momento, a Barreira do Técnico começou a tocar, e ele franziu o cenho.
— Claro — murmurou com irritação.
Naturalmente, era a Braço Esquerdo ligando para ele.
“Que estranho”, pensou Nick, com a testa franzida. “Da última vez que vi os dois conversando, era por transmissões de voz. Por que estão se comunicando por Barreiras agora?”
— Sim, tudo isso está certo. Sim, ele está aqui. Sim, está na minha frente. Dê um oi, Nick — disse o Técnico.
Uma leve luz surgiu nos olhos de Nick. — Saudações, Braço Esquerdo — disse.
— Sim… sim… sim… sim… não… sim… ótimo… claro… sim…
O Técnico revirou os olhos, irritado.
— Eu não sei! Por que está me perguntando isso? Não… Não… Sim… O quê? Ah, não! É… ok. Claro!
Ding!
E o Técnico encerrou a chamada antes de soltar mais um suspiro de frustração.
— Enfim, essa parte acabou. Ela vai lidar com todas as cidades — disse.
Nick assentiu. — O que ela disse? Mencionou algo sobre como vamos proceder daqui para frente?
O Técnico coçou a nuca. — Bem, as coisas estão um pouco diferentes atualmente. Não dá para fazer grandes planos agora. Adaptabilidade é mais importante que planejamento no momento.
O Técnico parecia bem casual, mas Nick podia perceber que a Égide atual não era um lugar fácil de navegar.
— Por que vocês se comunicaram por Barreira? — perguntou Nick.
— Esta sala é isolada — respondeu o Técnico, sem surpresa pelo fato de Nick ter notado esse detalhe.
— Isolada? — perguntou Nick, olhando ao redor.
Foi então que percebeu que a luz era um pouco incomum.
Ela não tinha a mesma sensação da luz do Sol, mas também não parecia com a luz do Campeão da Luz.
“Luz artificial”, pensou Nick.
Ele também não conseguia sentir nada fora daquela sala.
Havia apenas duas coisas conectadas ao mundo exterior.
A porta e um receptor de Zephyx embutido na parede.
— Sim, eu sei qual é a próxima pergunta — disse o Técnico com um suspiro de impaciência.
Nick apenas o encarou com calma, aguardando a resposta para a pergunta não dita.
— As coisas estão… difíceis no momento — disse o Técnico. — Presumo que já tenha ouvido falar do novo Campeão da Luz?
Nick já suspeitava que tudo aquilo estaria conectado ao novo Campeão da Luz.
As coisas que o novo Campeão da Luz havia dito pareciam diferentes do que o antigo dizia.
Nick apenas assentiu.
— Digamos apenas que os fundamentos do mundo não são tão simples quanto você imagina — disse o Técnico.